
'Tava bem alimentado: ouvia um grupo de canções bem selecionadas que faziam a Augusta ganhar flores, mais leveza e menos carros no meu olhar. (E aquele cano estourado embaixo do asfalto ainda jorrava água). De repente um pensamento me atravessa num fio afiado: e se não tiver mais ingresso? Ah, ontem ainda tinha até a última hora... Pois quem é que gosta de literatura nesse país????.... .... Ah! Mas o Caio... o Caio é cult hj. Bah! Será q...? Não, não. Vai ter!!
Nas três última quadras até o cinema disparei. Corri feito uma criança que brinca de costurar os humanos, sacos de lixo, postes e carros. É curioso como conseguem tirar a graça da simplicidade. Quer dizer, falo dessa coisa que chamam de le parkour. Pra ficar ainda mais chato, só falta haver uma competição disso. Aí é a retirada do jogo das coisas simples (a brincadeira pelo justo e simples desejo de subir/pular muros, grades, andar sobre fios de concreto finos) e colocar no lugar a competitividade, o ganho, a dualidade do vencer ou perder.
Enfim!
- Não tem mais ingressos! Atirou a moça ao me ver chegando.
Incrédulo, perguntei a quem realmente estava atendendo:
- Mas é para este filme aqui oh? Jura? Não tem mais?
- Não.
Ela pegou a programação e confirmou comigo se se tratava do Caio.
- É este que quero v...
- Não tem mais. Está esgotado.
Incrédulo, perguntei a quem realmente estava atendendo:
- Mas é para este filme aqui oh? Jura? Não tem mais?
- Não.
Ela pegou a programação e confirmou comigo se se tratava do Caio.
- É este que quero v...
- Não tem mais. Está esgotado.
Não sei se era a minha miséria, mas vi um prazer nela em me dizer isso e QUE MERDA! QUE MERDA! Quanto tempo com um tesão pra ver esse filme? Nisto, veio um fashback de mim mesmo lendo críticas sobre o documentário enquanto me açoitava: Burro, Mateus! Tu é muito burro! Poderia ter visto ontem! 'Tava lá, na fila de espera e saiu pra ver os outros filmes! E tinha ingressos! Tu é burro, hein? Ca-ra-lho!
Tá. Sem pânico... vamos encontrar uma maneira.
Avisto uma mulher com a camiseta do festival. Aguardo. Pergunto:
- Olha, acabaram os ingressos. Tem como eu ficar quietinho-num-cantinho-sentadinho-no-chão do cinema? Não haveria convidados faltantes?
- A gente tá lotado.
- Mas e se eu esperar até uma meia hora e ficar algum lugar livre?
- Se a pessoa já possui o ingresso - que é o caso - ela pode entrar a hora que quiser... ...
E eis que chega um dos jurados: não havia ingresso mais nem pro infeliz! A moça saiu para tratar disso e foram chegando convidados VIPs (mas que tb ficariam de fora). Pediram que se chamasse o diretor do filme e nisso, fiquei implorando de joelhos para um rapaz que ali trabalhava, só que pelo mecanicismo da resposta dava pra ver que eu 'tava rezando pro santo errado. Fiquei mirando a programação ainda incrédulo e insistindo comigo que tinha que entrar.
Bem. Tá certo. Eu 'tava em desvantagem: vinte mil convidados (!que chegaram super atrasados!) estavam ali aguardando o amigo diretor. Que chances tenho eu nessa bagaça?
- Tu sabes se há possibilidade de abrir uma sessão extra visto a procura? Ou se ele entrará no circuito comercial logo mais?
- Eu não sei. Mas vc pode perguntar pro diretor.
- Quem é?
- Aquele de cabelo raspado.
Sem jeito nenhum e mal sabendo como articular um princípio... as quatro primeiras palavras saíram ausentes de significado. Reparando no modo qual ele inclinou a cabeça e olhou nos meus olhos, tive certeza que não iria conseguir ser gentil, educado ou demonstrar o mínimo de concordância, segundo minha pressa. Só que até aí tb foda-se, né? 'Tava eu ali me metendo com o cara:
- Quando o filme entra em circuito comercial? - joguei direto.
- Próximo ano. Eu sinto muito... - e me deu um tapa no peito.
Levantei para deixar o caderno de programação junto à mesa e, numa seqüência de fazer inveja à cinematografia, o diretor surge num compasso mais acelerado que o meu e, disfarçadamente, pega minha mão (enquanto eu depositava a programação e agradecia) me levando junto à sala de cinema.
Se antes estava incrédulo, exasperado e atirando pra todos os lados (e contra mim mesmo), nesse momento já 'tava mortinho da silva no Olimpo. Na boa, eu posso dizer que eu morri ali, não? Com toda a espera, desejo, tesão e desvantagem... aconteceu. E ser banhado por Caio é ter a premissa de não ser mais o mesmo: então é morte só pra dizer o contrário, que está vivo, bem vivo... E sentadinho no meu cantinho como bem queria.
Pela tarde de ontem, tentava organizar minhas folhas/anotações e me deparei com uma frase do Caetano, que transcrevi d'uma entrevista. Dizia o seguinte: é engraçado a força que as coisas parecem ter quando elas precisam acontecer.
Viva o mestre!
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