segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Victor Arruda - das Artes


As pinturas de Victor Arruda são conhecidas por seu erotismo, por sua feitura propositadamente bruta e pela abordagem sócio-política.
Victor Arruda, na década de setenta, participou de coletivas como o “Salão de Verão”, no MAM-RJ (1975) e “Salão Nacional de Arte Moderna (1976)”, quando mostrou obras em que citava, à sua maneira, as revistinhas clandestinas de Carlos Zéfiro. Ele foi o primeiro artista a fazer referência ao já famoso pornógrafo, então apenas conhecido por seu pseudônimo.

Victor Arruda recriava o clima erótico dos desenhos de Zéfiro, mas com uma conotação crítica em que apontava a hipocrisia das relações em que o sexo estava ligado ao poder. Como na pintura “Salário mais justo”, de 1975, em que o patrão se prepara para discutir o salário com a nova empregada que perguntava - já nua à beira da cama - “Pronto Doutor. O que devo fazer?” e ele respondia: “Deita aqui meu bem”. Suas pinturas na década de oitenta abordam a violência e a solidão nos grandes centros urbanos.

O interesse do artista pelas questões sociais o levou a criar e desenvolver com a colaboração de Marluce Brasil - técnica em educação - o primeiro atelier de arte livre da antiga FUNABEM em que juntos examinavam e orientavam meninas com dificuldade de aprendizado assistidas naquele projeto social.

Victor Arruda foi absorvido pelo movimento chamado “Geração 80” e sua pintura foi examinada em textos por Achille Bonito Oliva (o crítico italiano que criou o termo “transvanguarda”), por Frederico Morais, Jorge Guinle, Lígia Canongia, Marcus de Lontra Costa, Reynaldo Röels Jr., Roberto Pontual, entre outros. A partir da década de 90, retomou as antigas pinturas dos anos 70 e, nelas, a maior utilização de textos pintados, sempre atrelados às emoções de alguns momentos de sua vida.

Quem não se recorda do famoso anúncio de jornal que ele mesmo colocou sobre a sua morte? Foi uma comoção só. Tudo não passava de mais um trabalho seu com as palavras. Em 2008, convidado a participar de uma exposição coletiva no Solar Grandjean de Montigny-PUC-RJ, usou uma idéia que lhe surgiu quando, há alguns anos, houve uma revolta de imigrantes no subúrbio de Paris. O então presidente francês, Nicolas Sarkozy (na época ministro do interior da França), disse que aqueles cidadãos de segunda categoria só conseguiam se comunicar com 56 palavras. Victor Arruda chamou 56 conhecidos – de formação, classe social, profissão e idade diversas – e pediu para cada um deles escrever “as suas 56 palavras”, que reunidas resultaram no livro “56 Palavras”.

Em uma outra exposição: "A respeito da corrupção", no fim do ano passado, na Galeria Amarelonegro, Victor também apresentou obras utilizando palavras e frases, neste caso baseadas no escândalo do ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda. Victor aproveitou a deixa e a coincidência do sobrenome para dizer que não era ele.

  Este é um resumo das muitas contribuições de Victor Arruda no campo das artes: polêmico, com boa formação, culto, inteligente e, além de tudo, muito divertido. Estas são algumas características deste artista.

















  • Victor Arruda (1947), natural de Cuiabá (Mato Grosso), erradicado na cidade do Rio de Janeiro desde os 14 anos. Pintor, desenhista e gravador, é graduado em Museologia pela UNI-RIO, atuou como Marchand e Professor. É considerado de "Transvanguarda".






Victor Arruda nasceu em Cuiabá, Mato Grosso em 1974. Professor, desenhista, gravador e pintor. O interesse do artista pelas questões sociais o levou a criar e desenvolver com a colaboração de Marluce Brasil (técnica em educação) o 1° atelier de arte livre da antiga FUNABEM em que juntos examinavam e orientavam meninas com dificuldade de aprendizado assistidas no projeto social.

Na década de 70, participou de coletivas como o “Salão de Verão”, no MAM-RJ (1975) e “Salão Nacional de Arte Moderna” (1976), quando mostrou obras em que citava, à sua maneira, as revistinhas clandestinas de Carlos Zéfiro. Ele foi o primeiro artista a fazer referência ao já famoso pornográfo, então apenas conhecido por seu pseudônimo. Victor Arruda foi absorvido pelo movimento chamado “Geração 80”. Suas pinturas abordam a violência e a solidão nos grandes centros urbanos. A partir da década de 90, retomou as antigas pinturas dos anos 70 e, nelas, a maior utilização de textos pintados, sempre atrelados às emoções de alguns momentos de sua vida. 

Chegou a colocar um famoso anúncio de jornal que sobre a sua própria morte. Reproduzido aqui ao lado. Tudo não passava de mais um trabalho seu com as palavras. Em 2008, convidado a participar de uma exposição coletiva no Solar Grandjean de Montigny-PUC-RJ, usou uma idéia que lhe surgiu quando, há alguns anos, houve uma revolta de imigrantes que vivem no subúrbio de Paris. O presidente francês, Nicolas Sarkozy (na época ministro do interior da França), disse que aqueles cidadãos de segunda categoria só conseguiam se comunicar com 56 palavras. Victor Arruda chamou 56 conhecidos – de formação, classe social, profissão e idades diversas – e pediu para cada um deles escrever “as suas 56 palavras”, que reunidas resultaram no livro “56 Palavras”. Em outra exposição:"A respeito da corrupção", no fim do ano passado, naGaleria Amarelonegro, Victor também apresentou obras utilizando palavras e frases, neste caso baseadas no escândalo do ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda. Victor aproveitou a deixa e a coincidência do sobrenome para dizer que não era ele.

As obras refletem as qualidades do artista Victor Arruda no campo das artes: polêmico, com boa formação, culto, inteligente, sensível as questões que nos tornam humanos e além de tudo, muito divertido. Uma exposição imperdível de um artista incomparável.




















Exposições Individuais

1981 - Rio de Janeiro RJ - Individual, na Galeria Anna Maria Niemeyer
1985 - Resende RJ - Individual, no Museu de Arte Moderna de Resende
1985 - Rio de Janeiro RJ - Individual, na Galeria Anna Maria Niemeyer
1986 - Brasília DF - Individual, na Fundação Cultural do Distrito Federal
1986 - Rio de Janeiro RJ - Victor Arruda: Pinturas Recentes, na Galeria Anna Maria Niemeyer
1987 - Porto Alegre RS - Victor Arruda: Pintura e Serigrafias, na Galeria Tina Presser
1988 - Roma (Itália) - Individual, no Studio d'Arte Giuliana de Crescenzo
1989 - Rio de Janeiro RJ - Victor Arruda, na Galeria Anna Maria Niemeyer
1991 - Brasília DF - Individual, na Performance Galeria de Arte
1991 - Rio de Janeiro RJ - Individual, na Galeria Anna Maria Niemeyer
1991 - Rio de Janeiro RJ - Individual, na Itaugaleria
1992 - São Paulo SP - Individual, no Subdistrito Comercial de Arte
1995 - Rio de Janeiro RJ - Pinturas, na Galeria Anna Maria Niemeyer
2004 - Rio de Janeiro RJ - Victor Arruda: pinturas, na Galeria Anna Maria Niemeyer
2005 - Rio de Janeiro RJ - Novos Abismos, na Galeria Anna Maria Niemeyer
2005 - Rio de Janeiro RJ - Victor Arruda Desenha, no Espaço Cultural Sérgio Porto

Exposições Coletivas

1975 - Rio de Janeiro RJ - Salão de Verão, no MAM/RJ
1976 - Rio de Janeiro RJ - Salão Nacional de Arte Moderna
1983 - Rio de Janeiro RJ - O Rosto e a Obra, no Ibeu
1985 - Rio de Janeiro RJ - Salão Nacional de Artes Plásticas
1985 - Rio de Janeiro RJ - Velha Mania: desenho brasileiro, na EAV/Parque Lage
1986 - Porto Alegre RS - Caminhos do Desenho Brasileiro, no Margs
1986 - Rio de Janeiro RJ - Território Ocupado, na EAV/Parque Lage
1986 - Rio de Janeiro RJ - Transvanguarda e Culturas Nacionais, no MAM/RJ
1987 - Rio de Janeiro RJ - Ao Colecionador: homenagem a Gilberto Chateaubriand, no MAM/RJ
1987 - Rio de Janeiro RJ - Rio de Janeiro, Fevereiro, Março: do modernismo à geração 80, na Galeria de Arte Banerj
1988 - Rio de Janeiro RJ - Le Déjeuner sur l'Art: Manet no Brasil, na EAV/Parque Lage
1988 - Rio de Janeiro RJ - O Eterno é Efêmero, na Petite Galerie
1989 - Cuenca (Equador) - Bienal Internacional de Cuenca
1989 - Genebra (Suíça) - Hommage à la Declaration Universelle des Droits de l'Homme, no Palácio das Nações da ONU
1989 - Rio de Janeiro RJ - Rio Hoje, no MAM/RJ
1991 - Rio de Janeiro RJ - BR/80: pintura Brasil década, na Fundação Casa França-Brasil
1991 - Rio de Janeiro RJ - Coleção Gilberto Chateaubriand - Arte Brasileira Décadas de 60, 70 e 80, no MAM/RJ
1992 - Rio de Janeiro RJ - 1ª A Caminho de Niterói: Coleção João Sattamini, no Paço Imperial
1992 - Rio de Janeiro RJ - Brazilian Contemporary Art, na EAV/Parque Lage
1993 - Niterói RJ - 2ª A Caminho de Niterói: Coleção João Sattamini, no MAC-Niterói
1993 - Rio de Janeiro RJ - Arte Erótica, no MAM/RJ
1993 - Rio de Janeiro RJ - Brasil: Imagens dos Anos 80 e 90, no MAM/RJ
1993 - Rio de Janeiro RJ - O Papel do Rio, no Paço Imperial
1993 - São Paulo SP - O Desenho Moderno no Brasil: Coleção Gilberto Chateaubriand, na Galeria de Arte do Sesi
1993 - Washington D. C. (Estados Unidos) - Brasil: imagens dos anos 80 e 90, no Art Museum of the Americas
1994 - Rio de Janeiro RJ - O Desenho Moderno no Brasil: Coleção Gilberto Chateubriand, no MAM/RJ
1994 - Rio de Janeiro RJ - Sob o Signo de Gêmeos, na Galeria Saramenha
1994 - Rio de Janeiro RJ - The Exchange Show: doze pintores de San Francisco e do Rio de Janeiro, no MAM/RJ
1994 - Rio de Janeiro RJ - Via Fax, no Museu do Telephone
1994 - San Francisco (Estados Unidos) - The Exchange Show: twelve painters from San Francisco and Rio de Janeiro, no Yerba Buena Center for the Arts
1994 - São Paulo SP - Brasil: imagens dos anos 80 e 90, na Casa das Rosas
1995 - Lausanne (Suíça) - Rio: mistérios e fronteiras, no Musée de Pully
1995 - Rio de Janeiro RJ - Anos 80: O Palco da Diversidade, no MAM/RJ
1995 - Rio de Janeiro RJ - Pinturas, na Galeria Anna Maria Niemeyer
1995 - Rio de Janeiro RJ - Rio: Mistérios e Fronteiras, no MAM/RJ
1995 - São Paulo SP - Anos 80: o palco da diversidade, na Galeria de Arte do Sesi
1996 - Rio de Janeiro RJ - Rio: mistérios e fronteiras, no MAM/RJ
1997 - Barra Mansa RJ - O Museu Visita a Galeria, no Centro Universitário de Barra Mansa
1998 - Rio de Janeiro RJ - A Imagem do Som de Caetano Veloso, no Paço Imperial
1998 - São Paulo SP - O Moderno e o Contemporâneo na Arte Brasileira: Coleção Gilberto Chateaubriand - MAM/RJ, no Masp
1999 - Rio de Janeiro RJ - A Imagem do Som de Chico Buarque, no Paço Imperial
2000 - Rio de Janeiro RJ - A Imagem do Som de Gilberto Gil, no Paço Imperial
2001 - Rio de Janeiro RJ - Aquarela Brasileira, no Centro Cultural Light
2002 - Niterói RJ - A Recente Coleção do MAC, no MAC-Niterói
2002 - Niterói RJ - Diálogo, Antagonismo e Replicação na Coleção Sattamini, no MAC-Niterói
2002 - Rio de Janeiro RJ - Caminhos do Contemporâneo 1952-2002, no Paço Imperial
2003 - Niterói RJ - Sidaids, na Galeria de Arte Sesc
2003 - Rio de Janeiro RJ - 1ª Projéteis de Arte Contemporânea, na Funarte
2003 - Rio de Janeiro RJ - Arte em Movimento, no Espaço BNDES
2004 - Rio de Janeiro RJ - Arte Contemporânea Brasileira nas Coleções do Rio, no MAM/RJ
2004 - Rio de Janeiro RJ - Novas Aquisições 2003: Coleção Gilberto Chateubriand, no MAM/RJ
2004 - Rio de Janeiro RJ - Onde Está Você, Geração 80?, no Centro Cultural Banco do Brasil
2005 - Belo Horizonte MG - Coletiva de Acervo 2005, na Galeria Murilo Castro
2005 - Belo Horizonte MG - Corpo-Icono-Grafias, na Galeria Murilo Castro
2005 - São Paulo SP - O Corpo na Arte Contemporânea Brasileira, no Itaú Cultural
2006 - Petrópolis RJ - Sinais na Pista, no Museu Imperial
Fonte: Itaú Cultural





obs.: os textos foram retirados da web















  • Victor André Pinto de Arruda (Cuiabá MT 1947)
Professor, desenhista, gravador e pintor.
Como membro organizador do grupo Tato e Contato, é responsável pela instalação do primeiro ateliê de Arte Livre destinado a crianças, na Funabem, Rio de Janeiro, em 1977. Em 1982, torna-se organizador do setor infantil na mostra A Margem da Vida e atua como professor de artes plásticas no Instituto Penal Lemos de Brito. A convite de Oscar Niemeyer (1907 - 2012), pinta o painel do foyer do teatro do Memorial da América Latina, São Paulo, em 1989.
























































quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Na cidade dos amantes (lado A)

 Salvo engano,..., havia um artigo na revista HMagazine a respeito de uma galeria em Paris com obras apenas de teor homoeróticas. Decidi que este seria o primeiro lugar a visitar na cidade, já que ainda não havia conhecido nenhum outro espaço que fosse dito especializado no assunto.
 Chuviscava um pouco e por isso andava com um lenço que me servia pra proteger da chuva, qual possuía estes desenhos de característica árabe. Já em frente à galeria, fiquei encantado com a porção de obras, desenhos, pinturas, fotografias e esculturas que se apresentavam na vitrine, sendo que parte destes objetos me interessavam unicamente pelo seu tema. Tomei meu caderno e passei a anotar alguns nomes.

 Certifiquei-me de estar no horário estipulado para visitas na informação prostrada junto à porta. Tudo certo, adentrei. Reconheci a senhora que estampava um doce sorriso na revista (e que tinha em mãos para mostrá-la), quem repentinamente começou a latir como um cão raivoso enquanto eu observava algum pequeno desenho. 'Me veio a imagem de inúmeros filmes franceses com estas cenas em que personagens ficam aos berros discutindo. Sucedeu-se uma série de frases perturbadas que - pela sua agressividade, não havia como não entender em partes: ISSO AQUI NÃO É UM MUSEU! SAIA! VOCÊ NÃO É BEM-VINDO! Num texto longuíssimo que não apenas pela sua histeria assim como a aproximação da mulher, ficou claro que era dirigido a mim. Entre os gritos, um senhor se aproximava me empurrando para fora com pequenos socos no ar, ao mesmo tempo em que se afastava. Meu coração parecia que ia saltar pela boca: fiquei assustado pacas! Meu francês sairia miúdo diante de tanto terrorismo e nada me vinha à cabeça. Saí pela mesma porta que entrei.

 Do lado de fora, retornei o olhar - ainda sem entender - ao senhor de pentelhos brancos que fez um sinal de "vai tomar no cu" com o braço. Uma sensação de imbróglio se formou dentro de mim e a única coisa a fazer para jogar aquilo fora era andar. Andar, andar, andar. Naquela beleza afora havia de ter algo para este coração sub-tropical. Caminhei como se vomitasse pela cidade o que inesperadamente absorvi.

 Somei a primeira sensação de admiração ao chegar no centro da Cidade Luz: era tudo como se dizia! Incrivelmente fantástico!; com a sensação da chegada ao bairro em que iria ficar: era absolutamente tudo o que faziam questão de esconder/abnegar. Entre um bairro pobre, vendedores de rua, vagabundos, prostitutas, mercadinhos, lixos espalhados, lixos industriais baratos com perfil de marca,..., impossível não me pensar/colocar naquele lugar tamanha sua exclusão: como suportar viver num espaço e não ter voz alguma? Não ser dito, visto ou identificado?

 A cachola passou a funcionar e lembrei de questões que, por interesse próprio, volta e meia circulavam. Um estalo: a proibição de lenços islâmicos nas escolas (e a possível proibição de seu uso em sociedade que circulava naquela época). Questões decorrentes*, costumes e censuras ao que era considerado ou menor, culturamente inferior ou problematicamente fanático. Muito disso posto num mesmo balaio erroneamente.

 Identifiquei!!! Meu problema foi o lenço: ainda que no pescoço, ainda que tão pequeno. Para o bom convívio e respeito com todos, era imperativo não usá-lo. A liberdade estava traçada: pode apenas o que se convém como "meu", "unicamente meu", e que "me" traz segurança.

 Nas andanças, devo agradecer a injeção de ânimo dada na conversa com Allistair. Eu fotografava de longe um monumento gigantesco e fálico que encontrei num labirinto de ruas. Tomei o mapa nas mãos para me localizar, e, do outro lado, ele fotografava em minha direção. Atravessai a rua lhe dizendo, no que me dirigiu o olhar:
- Desculpe, estava atrapalhando sua foto.
- Na verdade, eu queria tirar uma foto sua no lugar onde vc estava.

 Disso, ficamos conversando sobre diversos assuntos, me fazendo uma série de confissões sobre seu desconhecimento da cidade (e que havia resolvido sair para conhecer e fotografar seu lugar); do conservadorismo; sobre o bairro onde eu estava e afins. Foi um presente. Tomei e comi toda a atenção e provocação que aquele belo rapaz francês me deu. Depois de uma hora, ele olhou para o relógio e se foi. Mandou uma mensagem falando para nos encontrarmos... não aconteceu.
.
.
.
  Foi aí que levei um susto nesta semana passada: de repente tantos se chamavam Charlie. Li um pouco e me incomodou profundamente a mistura e jogos de pensamentos (políticos) fingindo defender a "liberdade de expressão". Fraternidade "para os meus". Liberdade "para os meus". Igualdade "para os meus". Assim eternamente. Da esquerda até a extrema direita, dos pensadores aos conservadores. Apenas precisando de mais alguns corpos para fundamentar o injustificável.

 Quase vomitei as próprias tripas, pois já não havia me sobrado nada mais daquele fanatismo enfiado goela abaixo pela galerista. Líderes censuradores da imprensa, cultura e política reunidos defendendo a liberdade de expressão. Faz sentido!

 Salvo pelo jovem francês. Salvo pelo amor que flanea nas ruas. Salvo pelo que não pode ser capturado/censurado.



fotos de Claudio Senra, ilustrando o uso do lenço por Veneza.















http://operamundi.uol.com.br/conteudo/entrevistas/38821/islamofobia+virou+ideologia+rotineira+na+franca+analisa+autor+de+livro+sobre+muculmanos.shtml

* Demoramos muito, mas, finalmente, o Estado francês reconheceu sua responsabilidade no massacre dos judeus, acabando com o antissemitismo histórico. Hoje uma pessoa pode ser judia e francesa, não é mais visto como uma contradição. No entanto, nunca resolvemos a questão colonial, com a dominação que a acompanha, e a percepção de ter uma cultura e uma civilização superiores. Para os franceses, pessoas que vêm de África ou do mundo árabe devem borrar todas as suas especificidades para se integrar à sociedade, como se a identidade francesa fosse uma norma única que deva ser copiada. Aliás, acho que é um problema de cultura política: desde a monarquia absoluta de Louis XIV, passando por Louis-Napoléon Bonaparte até o sistema presidencial atual, a França tem um problema com a diversidade e a pluralidade.

* EP: Na mídia, este papo começou em 1989, quando o maior semanário da esquerda, “Le Nouvel Observateur”, publicou uma capa contra o uso do lenços islâmicos nas escolas. Depois disso, em 2004 foi votada uma lei (com a unanimidade da direita e da esquerda!) proibindo a entrada nas escolas das meninas usando lenços. Isso provocou o afastamento de muitas alunas. E, desde 2011, existe uma circular do Ministério da Educação nacional recomendando a exclusão das mães usando lenços nas portas das escolas, na rua mesmo. Vocês percebem o absurdo? Há 25 anos que a França enfrenta problemas democráticos, econômicos, sociais, ecológicos, e durante todo este tempo, os intelectuais consideram que o verdadeiro tema é a proteção do Estado laico. Isso já não mais laicidade, é “laicismo”, ou seja, um tipo de integralismo.