quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Para Sempre Teu, Caio F. (parte 1)

 Chegaria na hora exata.
 'Tava bem alimentado: ouvia um grupo de canções bem selecionadas que faziam a Augusta ganhar flores, mais leveza e menos carros no meu olhar. (E aquele cano estourado embaixo do asfalto ainda jorrava água). De repente um pensamento me atravessa num fio afiado: e se não tiver mais ingresso? Ah, ontem ainda tinha até a última hora... Pois quem é que gosta de literatura nesse país????.... ....  Ah! Mas o Caio... o Caio é cult hj. Bah! Será q...? Não, não. Vai ter!!

 Nas três última quadras até o cinema disparei. Corri feito uma criança que brinca de costurar os humanos, sacos de lixo, postes e carros. É curioso como conseguem tirar a graça da simplicidade. Quer dizer, falo dessa coisa que chamam de le parkour. Pra ficar ainda mais chato, só falta haver uma competição disso. Aí é a retirada do jogo das coisas simples (a brincadeira pelo justo e simples desejo de subir/pular muros, grades, andar sobre fios de concreto finos) e colocar no lugar a competitividade, o ganho, a dualidade do vencer ou perder.

Enfim!
- Não tem mais ingressos! Atirou a moça ao me ver chegando.
 Incrédulo, perguntei a quem realmente estava atendendo:
- Mas é para este filme aqui oh? Jura? Não tem mais?
- Não.
 Ela pegou a programação e confirmou comigo se se tratava do Caio.
- É este que quero v...
- Não tem mais. Está esgotado.

Não sei se era a minha miséria, mas vi um prazer nela em me dizer isso e QUE MERDA! QUE MERDA! Quanto tempo com um tesão pra ver esse filme? Nisto, veio um fashback de mim mesmo lendo críticas sobre o documentário enquanto me açoitava: Burro, Mateus! Tu é muito burro! Poderia ter visto ontem! 'Tava lá, na fila de espera e saiu pra ver os outros filmes! E tinha ingressos! Tu é burro, hein? Ca-ra-lho!

 Tá. Sem pânico... vamos encontrar uma maneira. 
Avisto uma mulher com a camiseta do festival. Aguardo. Pergunto:

- Olha, acabaram os ingressos. Tem como eu ficar quietinho-num-cantinho-sentadinho-no-chão do cinema? Não haveria convidados faltantes?
- A gente tá lotado.
- Mas e se eu esperar até uma meia hora e ficar algum lugar livre?
- Se a pessoa já possui o ingresso - que é o caso - ela pode entrar a hora que quiser... ...

 E eis que chega um dos jurados: não havia ingresso mais nem pro infeliz! A moça saiu para tratar disso e foram chegando convidados VIPs (mas que tb ficariam de fora). Pediram que se chamasse o diretor do filme e nisso, fiquei implorando de joelhos para um rapaz que ali trabalhava, só que pelo mecanicismo da resposta dava pra ver que eu 'tava rezando pro santo errado. Fiquei mirando a programação ainda incrédulo e insistindo comigo que tinha que entrar.
 Bem. Tá certo. Eu 'tava em desvantagem: vinte mil convidados (!que chegaram super atrasados!) estavam ali aguardando o amigo diretor. Que chances tenho eu nessa bagaça?

- Tu sabes se há possibilidade de abrir uma sessão extra visto a procura? Ou se ele entrará no circuito comercial logo mais?
- Eu não sei. Mas vc pode perguntar pro diretor.
- Quem é?
- Aquele de cabelo raspado.

 Sem jeito nenhum e mal sabendo como articular um princípio... as quatro primeiras palavras saíram ausentes de significado. Reparando no modo qual ele inclinou a cabeça e olhou nos meus olhos, tive certeza que não iria conseguir ser gentil, educado ou demonstrar o mínimo de concordância, segundo minha pressa. Só que até aí tb foda-se, né? 'Tava eu ali me metendo com o cara:
- Quando o filme entra em circuito comercial? - joguei direto.
- Próximo ano. Eu sinto muito... -
e me deu um tapa no peito.

Peguei a programação e sentei num banco. O tal moço se foi levando os amigos convidados até a porta de saída. Cada vez que tentava chegar aleatoriamente a uma página qualquer do livreto, vinha a bendita sinopse sobre o filme do Caio. Ele lá, bonitão e elegante zombando da minha idiotice: tu é muito burro, Mateus! Pensava eu. E de novo, e de novo, e de novo aparecia ele.  Para sempre teu, Caio F. Para sempre teu, é? Que juras! Que juras são essas, Caio? Para sempre teu uma ova, seu peido de buceta!

 Levantei para deixar o caderno de programação junto à mesa e, numa seqüência de fazer inveja à cinematografia, o diretor surge num compasso mais acelerado que o meu e, disfarçadamente, pega minha mão (enquanto eu depositava a programação e agradecia) me levando junto à sala de cinema.  
 Se antes estava incrédulo, exasperado e atirando pra todos os lados (e contra mim mesmo), nesse momento já 'tava mortinho da silva no Olimpo. Na boa, eu posso dizer que eu morri ali, não? Com toda a espera, desejo, tesão e desvantagem... aconteceu. E ser banhado por Caio é ter a premissa de não ser mais o mesmo: então é morte só pra dizer o contrário, que está vivo, bem vivo... E sentadinho no meu cantinho como bem queria.

 Pela tarde de ontem, tentava organizar minhas folhas/anotações e me deparei com uma frase do Caetano, que transcrevi d'uma entrevista. Dizia o seguinte: é engraçado a força que as coisas parecem ter quando elas precisam acontecer.

 Viva o mestre!

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Da Família

ELE:
Que saudades, meu veio! Morei com a tia Lene e o tio Beto quando estavam em São Leopoldo. Acho que tinhas 6 ,7 anos.. não me lembro ao certo. O certo é que eras muito meu amigo e isso! Mesmo estando mais velho e não te lembrares, te levo dentro do meu coração. Um abração do tamanho da saudade que tenho por ti.
EU:
BAHHHHH! NOSSAA! Claro que lembro de ti. Tu ficou lá em casa por um tempo

ELE:
Te lembras de mim?
EU:
Claro. Eu não tinha visto antes sua foto, aí apareceu aqui ao lado o seu pedido de amizade... reconheci a foto mas não pelo nome.
ELE:
Quero te pedir desculpas. É que eu te incomodava muito, eu era muito chato contigo... igualzinho ao fulano.
EU:
HEHEHE Todo mundo me incomodava pra caramba... não sei pq. Mas sem problemas.
ELE:

É que eras muito querido. Cativavas as pessoas com facilidade.
EU:
Olha só! Depois tu me relembra as histórias daquela época. Lembro que algumas pessoas ficaram ali em casa por um tempo. A Lena, a Ale, o Alemão, a Dete, enfim...
ELE:
A tua mãe tem um bom coração. Gostava de ver a casa cheia de gente, e bicho também. 
Tenho que ir, outra hora a gente conversa
EU:
Vai lá que depois a gente conversa.
Bom te reencontrar.



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 Tinha um tio (entre vários) que adorava me irritar. Não lembro de que modo revidei numa situação em que o mesmo me arrastou até o chuveiro (de roupa e tudo), ligou e ficou me segurando embaixo da água fria. Era comum entrar nos socos com ele: pro meu tio eu era um anãozinho; e eu apenas estava me defendendo.

 Diria que era uma prática familiarmente sadia, embora me levasse à loucura irracional: meu tio me torrava, cutucava ou zombava, e eu ia pra cima dele. Ainda assim, não havia desrespeito pq tinha um limite qual não se ultrapassava. Enfim: esse era o modo que meu tio se relacionava comigo: NEM CERTO, NEM ERRADO. Era apenas o modo que ele encontrou de se relacionar, de se aproximar. Certo que há modos mais interessantes, mãããs... o mundo ideal não me interessa.
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 Final dos anos 90/virada para 2000 foi uma coisa horrorosa em vários sentidos, principalmente econômico. 'nos Mudamos e, por um período, trabalhávamos na praia em um ponto para gerar renda extra. Esse mesmo tio foi chamado pelos meus pais para auxiliar nesse negócio.
 Pra mim, os dias eram chatos e além do trabalho, a cultura de praia, adolescência, corpos, namoros,... havia nisso tudo um "ao redor" que não me integrava/interessava. Então, passar esse tempo descascando milho e servindo turista era uma forma de lidar (em off) com questões quais considerava mais importantes e escrever/ler nos momentos que podia.
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 Verão acabado, uma noite entrei no quarto de minha mãe onde eles acertavam o pagamento: ambos chorando... ... ... sabendo da dificuldades daqueles dias, meu tio parecia sentir por ter de aceitar (ao tempo em que negava)... e minha mãe chorando por não poder lhe fazer mais (insistindo pra que ele pegasse).

 Naquele noite, eu vi o quanto o meu tio-chato-que-me-enchia-a-paciência era importante pra minha mãe, pra toda minha família, mesmo que ela não soubesse. Naquele choro vislumbrei inúmeras histórias que desconhecia. Embora minha relação particular com ele tenha sido basicamente de um tio chato pracaralho... era o meu tio, que era/é muito especial pra mãe.






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A carona

- Quando vc me perguntou se eu sabia da minha sedução...
- Na verdade não te perguntei, afirmei que vc não sabe o quão sedutor é! Exclamou me interrompendo.
- Sei lá.
- Primeiro que vc é bonito.
- Obrigado
- Segundo que tem presença. E dai terceiro, que o modo que vc fica mirando alguma coisa durante a conversa, um outro elemento, olhando pro distante, as pausas, é muito sedutor.
- HAHAHAHAH. Mas isso eu posso te desmitificar facilmente. É pq sou vesgo, então fico com vergonha de ficar morando nos olhos. A não ser em um momento de flerte.
- Não dá pra perceber de primeira... mas ainda assim, isso é de uma sedução extrema!
- Bem, mas não há mistério algum. De qlqr forma... (pausa).
- Pq? Isso te incomoda?
- Não sei. É chato se for mal interpretado. Quer dizer, meu motivo sendo claramente um...
- Mas aí é problema do teu interlocutor. E se desperta algum sensação no outro, ele precisa descobrir como te conquistar.
- Sim. 'Me parece. - 
O trânsito segue bem. As luzes vermelhas dos carros se multiplicando no vidro e espelhos me fazem lembrar de uma atração em outro momento. Continuo: 
- E vc tb é sedutor, mas hj te vi exclusivamente com outros olhos. Noutra situação, mais livre do que uma conversa de negócios... vc era uma coisa assim...
- Obrigado.
- Só que hj... foi diferente.

Chegando no Copan, me despedi sentindo uma vontade tardia de lhe dar um beijo... mas seria covarde demais. Embora não tenha captado de imediato suas intenções ao ficarmos a sós por um longo tempo, horas antes,..., só naquele momento o olhar que até então eu cobria se modificou.
Ainda que vendo novamente aquele homem apaixonado pelo que fazia numa noite distante, me contentei em apenas agradecer a carona e cia.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Sartre, a betoneira e as nádegas de Lucien

Lembrei de um mail que recebi de um amigo uns anos atrás, dizia:


<< A questão do trabalho foi uma coisa que nos aproximou bastante, nunca tinha percebido isso. Na entrada no ensino médio, com toda aquela gente nova, talvez tu fosse o único além de mim que teria mais assunto falando sobre uma enxada do que sobre o Nintendo. Ou como quando eu comentei que no lugar onde estava morando, as paredes ainda não tinham reboco e as camas eram feitas com madeiras de obra sujas de cimento, lembro que o Fulano franziu a testa meio assustado, mesma reação que eu tive quando tu disse que depois da aula tu iria pra casa “fazer” o teu quarto.
- Tá, mas como?
- Ah, tem as madeiras lá, é só ir pregando.
Haha, e ainda pensando na possibilidade de colocar caixas de ovos dentro pra ter mais acústica.
(...)
Estávamos acostumados com a tua imagem das primeiras fases do ensino médio do cara que só tem 2 reais na mochila – “e hoje é terça-feira e esse dinheiro terá que durar até o final de semana”! Hehehe.>>
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Durante o segundo grau foi ele quem se aproximou a fim de fazer amizade... de resto, essa tentativa partia de mim. Ma' na verdade, não entendia muito bem o porque disso, e, num princípio, até desconfiava que isso pudesse ser mais uma coisa de meus colegas. Hj eu brinco que ele poderia ter “sido alguém” naqueles anos, já que sobre mim caiam diversas problemáticas que o mesmo não tinha para com os outros. Consegui fechar uma amizade com esse cara pelo fato de que, num dado momento, sabendo que adorava Engenheiros do Hawaii, ele pediu que lhe mostrasse algumas canções.

Como havia lhe dito num mail anterior: a educação do trabalho foi algo que nos aproximou bastante. Só pra se ter uma ideia, ambos tínhamos ótimas notas, trabalhávamos construindo casas (quais nossos pais alugariam e moraríamos), chegamos a matar aula para estudar na biblioteca (a professora era ruim) e saíamos às vezes mais cedo para comprar material de construção (já que estudávamos no centro e pela manhã).

Alair Gomes
Num momento, passamos a escolher alguns livros para discutir e fazer uma troca de impressões. Tendo os EngHaw citado uma frase de O Muro, de Sartre, escolhemos este. Ele lia mais rápido que eu, que em um momento de espera (entre empilhar tijolos, carregar coisas com carrinho-de-mão e cavar buracos), conseguia avançar um pouco.
Óbvio! Não poderia dizer que aquilo na verdade aguçou ainda mais minha curiosidade... Ao passo que ia lendo, o curto tempo que tinha para me debruçar em alguns parágrafos, entrava em delírio: e era uma delícia. A tensão gerada desde o início do conto, o modo que o personagem foi se desenvolvendo, as conversas provocadoras que havia. Bah!

E eis que chego naquele “Vc tem umas nádegas gostosas, falou de súbito”. Neste momento, eu 'tava fazendo reboco na betoneira (depois de uns meses tendo de fazer no braço). Jogava a água+areia+cimento, deixava rodando e lia. Fiquei estarrecido quando vi esta parte e, me confundindo com as pás, peguei a de corte (que é muito mais leve) e fiz uma força como se erguesse mais peso, sendo que sem querer joguei a pá e parte do meu braço (que segurava) pra dentro da betoneira, batendo numa das hélices. Resultado: tendo a máquina dado uma primeira parada brusca pelo peso excessivo, o motor compensou a força do giro e me lançou pro outro lado da sala.

Sempre que leio Sartre, a imagem da betoneira me aparece. E ela vem junto com a sensação das pilhas do walkman acabando, a fita cassete perdendo rotatividade aos poucos e deixando a voz grave. A terrível sensação de ter de ficar sem música ou colocar nas únicas duas rádios que só passavam merda (a música que todo mundo ouvia e ninguém escuta mais). Com as horas de ônibus entre casa/escola, dormindo, lendo, escrevendo ou conversando com alguém. A espera de meses para conseguir ouvir um disco e encontrar pouca coisa escrita sobre; de horas pra poder tocar violão; de chegar o final de semana e aí sim poder fazer outra coisa.

Aprendi pra caramba naqueles tempos. Meus pais devo imenso respeito e aproveito pra dizer que a psicanálise praticada hoje me parece uma besteira sem tamanho talvez pq os vi rir, abraçar o mundo, chorar e contaram comigo pra estar AO SEU LADO em momentos complicados. Ao invés de esperar deles um “suposto papel” que se acredita dever possuir, não os via com olhos de heroísmo. As (não muitas) vezes que apanhei na infância, algumas foi por ter assumido meu erro, ter contado o que aconteceu. A minha medida pra isso sempre fui eu mesmo: sabendo o que eu gostaria que fizessem comigo e o que não gostaria que fizessem comigo.

Talvez muito por isso tenha ojeriza de conselhos. Eles me parecem objeto da crença de pessoas que vivem uma mesma vida que os demais, mesmos caminhos, erros, medos e o mesmo processo de tempo. Tipo: “ahhh, agora você tem 18 anos então isso”. “Ahhh, agora você tem 40 anos então aquilo”. Oh, ovelhinha... segue o pasto a para de mÉéÉéÉ. O aprendizado se dá pela vivência, diálogo/conversa, troca e é mútuo. Bjnucu.

MIlton Kurtz (cedida por Mário Rohnelt)Então eu aprendi sexo ouvindo confissões de outros e lendo Sartre, Platão, biografias. Passei a pensar o que poderia ou não assimilar dentro dos meus desejos. A história de Lucien contada pelo filósofo francês tinha algo a ver comigo: não a juventude do protagonista (esta vontade de ceder à qualquer babaquice pra ser aceito. Sim,..., é isso que entendo como juventude: UMA BABAQUICE sem precedentes; seja James Dean em seu possante pra provar que é machinho ou esses jovens que hoje fazem grupo no whatsapp pra se suicidar porque é bonito)... mas sim, o desejo, as provocações à inteligência, o desregramento.

Leio filosofia de forma infiel e assim prefiro. Busco compreender um pouco do sistema, da compreensão do pensador (sua corrente), mas o que quero realmente é diversão. Ler um parágrafo é como fertilizar uma coelha e isso é um problema muitas vezes. Acho ótimo que nos meus dias de pedreiro tenham estes me acompanhado. E não tem como esquecer: Sartre pra mim é uma betoneira.

O sexo em si é tema que sinto urgência em explorar por duas razões que considero simples: ainda é um dos mais efetivos modos de controle; e por uma visão particular de que se está aprendendo (por uma herança cultural) sobre o ato principalmente com sex symbols que ainda nem podem transar por uma questão de idade. (O que no fim acaba tendo efeitos de controle sobre as pessoas). Penso que seja impressionante o modo que o mundo visual fale do sexo, especialmente a dita música pop.


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LADO B (OUTROS TRECHOS de O MURO, Sartre):


Alex Flemming
“É seguramente Bergère”, pensou Lucien, com o coração batendo, “como é bonito!”
(…)
Logo que Berliac saiu, levantou-se e foi sentar-se sem cerimônia, ao lado de Lucien. Este contou-lhe longamente a tentativa de suicídio, explicou-lhe que havia desejado sua mãe e que era um sádico-anal, que no fundo não gostava de nada e que nele tudo era comédia. Bergere ouviu-o sem dizer palavra, olhando-o profundamente e Lucien achou delicioso ser compreendido. Quando terminou, Bergère pousou-lhe familiarmente o braço no ombro e Lucien sentiu uma mistura de água-de-colônia e fumo inglês.
- Sabe, Lucien, como se chama seu estado? (…) Eu chamo a isso Desajustamento. (…) Gosto dos seres que se acham desajustados, disse Bergère, e acho que você tem uma sorte extraordinária. (…). Vc vê todos esses tipos? São uns assentados. (…) Leu Rimbaud?
(…) mas muita coisa escapou-lhe e ficou chocado porque Rimbaud era pederasta. Indagou a Bergère, que pôs-se a rir:
- Mas pq, minha criança?
(…)
- A pederastia de Rimbaud é o primeiro e genial desregramento de sua sensibilidade.
(…)
- Se você bjr o traseiro dessas mulheres você é um filho de família, e todos dirão que você leva uma vida de rapaz. Pq são mulheres, compreende? Eu lhe digo que a primeira coisa a fazer é persuadir-se de que tudo pode ser objeto de desejo sexual, uma máquina de costura, um provete, um cavalo ou um sapato. Eu faço amor com moscas. Conheci um fuzileiro naval que se satisfazia com patos. Metia-lhes a cabeça numa gaveta, prendia-os solidamente pelas patas e pronto! (…) O pato morria e o batalhão o comia.

“Ele vai dormir comigo”, disse com seus botões. (…) “Vou pegar meu travesseiro e deitar-me no banheiro”.
(…)
Então um violento furor aponderou-se de Lucien, apoiou-se sobre um cotuvelo e disse-lhe:
- Bem, que é que espera? É para enfiar pérolas que me trouxe até aqui?
Era muito tarde para arrepender-se
(…)
- Ora, veja só essa femeazinha com cara de anjo... Muito bem, menino, não fui eu quem falou, pois então é comigo que você conta para desregrar seus sentidinhos, hem?
(…)
- Vc tem umas nádegas gostosas, falou de súbito.
- Elas lhe apetecem?
- Maldito blefador! Quer fingir de Rimbaud e a há mais de uma hora que faço tudo e não consigo excitá-lo.
- Não é minha culpa, fez-me beber demais e estou com vontade de vomitar.
- Bem, vomite, vá e bom proveito! Que noitada maravilhosa!
Estava terrivelmente humilhado mas não sabia se sentia vergonha de se ter sujeitado às carícias de Bergère ou de não se ter excitado.
(…)
Às vezes, quando trocava de camiseta, aproximava-se do espelho e se mirava com admiração:“Um homem desejou este corpo”. Passeava as mão lentamente pelas pernas e pensava: “Um homem ficou excitado por causa dessas pernas”.
(…)
“Bem, posso suportar um pouco de dúvida: é o preço que se tem de pagar pela pureza”.

Alair Gomes
 
"Uma tarde veio-me a idéia de atirar em homens. Era um sábado, eu saí para procurar Léa, uma loira que faz ponto em frente a um hotel da rua Montparnasse. Nunca tive relações íntimas com uma mulher; eu me sentiria roubado. Trepamos em cima delas, é claro, mas elas nos devoram o baixo ventre com uma grande boca peluda e, pelo que tenho ouvido dizer, são elas que ganham com a troca. Eu não peço nada a ninguém mas também nada quero dar. Ou então precisaria de uma mulher fria e piedosa que me suportasse com repugnância."


“Quando eu tinha quinze anos, queria levantar devagarinho suas batinas para ver-lhes os joelhos e as cuecas, parecia-me estranho que tivessem alguma coisa entre as pernas; com uma mão eu pegaria a batina, fazendo a outra escorregar ao longo das pernas; subindo até o lugar em que penso.
(…)
Na realidade nunca se pode segurar aquilo, se ao menos ficasse tranquilo, mas começa a mexer como um animal, endurece, me dá medo, quando fica duro e teso no ar, é bestial; como é nojento o amor. Amei Henri porque sua coisinha jamais endurecia, não levantava nunca a cabeça, eu sorria, acariciava algumas vezes, tinha tanto medo dela como de uma criança; à noite eu pegava essa deliciosa coisinha entre os dedos, ele ficava corado, virava a cabeça para o lado, suspirando, mas aquilo não se mexia, continuava bem quieto em minha mão, eu não o apertava, permanecíamos longos períodos assim e ele adormecia. (…).”

“com sua mania de se encostar às minhas nádegas; detesto que me toquem por trás, desejava não ter costas, não gosto que me façam certas coisas quando não as vejo; eles podem gozar sem que se lhes vejam as mãos; a gente as sente subindo e descendo, mas não pode prever aonde vão, eles olham a gente à vontade e a gente não os pode ver, eles adoram isso; Henri nunca pensou em fazer essas coisas, ele só quer saber de se encostar nas minhas nádegas e eu estou convencida de que ele me pega no traseiro de propósito, porque sabe que eu morro de vergonha de ter um e o fato de ter vergonha o excita”.
“Mas nunca achei correto o que ele faz quando sai comigo; vai a todos os mictórios e eu sou obrigada a olhar mostruários enquanto espero com ar do quê? Quando ele volta vem repuxando as calças e arqueando as pernas como um velho.”

"mas um dia, aproximaram-se das urtigas e Riri mostrou o pintinho a Lucien, dizendo-lhe:
- Olhe como ele é grande, eu sou um moço, quando ele for bem grande eu serei um homem e irei bater-me contra so boches nas trincheiras.
Lucien achou Riri muito engraçado e teve uma crise louca de riso.
- Mostre o seu, disse Riri.
Eles compararam e o de Lucien era menor, mas Riri trapaceava; puxava o pinto para alongá-lo.
- Eu é que tenho o maior, disse Riri"



quinta-feira, 18 de setembro de 2014

"Quem me inventou fui eu"

SONATA PARA UM' FOTO 
Não consigo separar o corpo do todo que constitui o ser, inclusive e principalmente quando digo EU, (vale ressaltar que dicotomias apenas enfraquecem a compreensão sobre si). Coisas que sempre acompanharam minha vivência em relação ao mesmo: enxergar apenas de um olho, o estrabismo, o aprendizado das sensações, o gosto/interesse pela leitura/imagem, a música e a magreza.
Obs.: E depois se agregou este ruído constante (que parece uma televisão antiga ligando) amplificando o som do meu próprio corpo, em que ouço minha pulsação, o ar nos pulmões e até mesmo o barulho de tomadas (principalmente de carregadores, como de celular/iPad/afins). Quando estou estressado, excitado ou exaltado, o som do meu corpo aumenta imensamente.

 Até meus 20 anos, minha estatura estava em 1,77 e meu peso raramente conseguia atingir 45 kg. Por isso, eu sempre ficava em cima da minha alimentação: era preciso comer comida de “verdade”! E a única coisa que atrapalhava esse cuidado, era o processo de criação (lendo, compondo, escrevendo). E até hoje não consigo substituir bobagens por comida, chega a me enojar o estômago.

 Relógios nunca serviam no pulso; cintos sempre ganhavam um novo furo; calças ficavam desproporcionais e, cabiam pelo menos uns três mateus nas minhas camisetas (já P). Enfim, já estava em desajuste com mundo.

 O chato mesmo eram as piadas, que não me importariam se não fosse pela sua presença constante nas falas. Ao olhar a foto (acima), qualquer um pode brincar do modo que quiser, e se lá atrás, a informação que eu ouvia era um “tu vai voar com o vento”, minha cabeça dizia: “gente e daí que sou assim?”. “Pele e osso”, e minha cabeça: “tá e daí?”. “Pau de vira tripa”, e a minha cabeça: “beleza, agora podemos conversar ou fazer alguma outra coisa?”. Até o ponto em que essa mesma tecla sendo batida diversas vezes chegava a irritar.

 No entanto, mais do que fazer apenas uma brincadeira, num ocultamento das falas eu percebia a intenção de humilhar, de querer repassar o cultivo de “fazer o outro se sentir menor”. Aí como até os 21 anos não sofri assédio algum... melhor dizendo, ..., não ganhava elogios pela beleza física (porque não tinha, mesmo) e até nem sequer havia beijado alguém, me desenvolvi mais no papo, na conversa, na simpatia, no carisma ou sendo um bom ouvinte, enfim... E sempre acreditei que a beleza das pessoas estava direcionada a isto: querer se saber, gostar de si, conhecer-se e respeitar. Ou seja, o cuidado consigo em todos os sentidos: espiritual, corporal e mental. Isso é o que eu entendo como beleza! Ler e me pensar foi minha grande vingança.

 Então era o seguinte: ou eu comprava o discurso já inventado há anos e que me tornava menor, ou eu buscava forças (em mim, na arte, na música) pra inventar o meu próprio discurso,..., cujo qual passasse a compreender esse ser que era o Mateus.

 Acho curioso o que as fotos mostram ao meu respeito: já não mais tenho esse rosto, eu já não tenho mais esse corpo. Hoje percebo que, quando depois de meses distante da casa de meus pais, esbarrei umas cinco vezes num quadro que sempre esteve pendurado ao lado das escadas sendo que isso nunca aconteceu. Identifico: já não ando mais da mesma forma, algo se modificou em mim.

 Essa consciência (no sentido de trazer as coisas para o primeiro plano,..., à luz do meio-dia) é o que me interessa. Tornar clara a percepção de que NADA SE CONHECE ou SE SABE SOBRE O CORPO, e que então se poderá parar de vulgarizá-lo, maldizê-lo ou inferiorizá-lo. Respeitar e querer a nossa PRIMEIRA casa, o lugar que participa de tudo e que TAMBÉM (como outras coisas) torna cad'um único.

 E por mais que minha experiência nos 20 primeiros anos tenha sido complicada, eu amo tocar os corpos de quem gosto. Eu amo só o fato de estar ao lado, de poder olhar, de participar; mas às vezes gera um desespero pelo exagero dos desejos: e aí o corpo pede calma.
Não alimentei o “discurso do trauma”: fui eu quem me inventei; meu corpo não é colonizado... e do resto a gente vai trazendo à luz ou deixa nos noturnos o que for necessário, o que não precisa ser dito.

 E eu amo que me toquem quando isso é simplesmente carinho. E eu tenho plena certeza de quem conseguir se aproximar disso que escrevo agora, poderá extrair muito mais dos meus desenhos e seus ruídos, fotos e seus noturnos, canção e seus silêncios... e aí eu ficaria ainda mais feliz se descobrir algo sobre si, ainda que apenas ao nível das estruturas.








Figura que Mário Röhnelt me enviou após ver minha fotografia

Erase Rewind

Foi o conjunto das circunstâncias que trouxe um gosto diferente pr'aquele momento. Aos que curtem substâncias, poderia dizer que se trata de uma sensação similar mas que ainda mais potencializada, chegando ao nível das possibilidades. Embora nunca tenha experimentado, não há dúvidas em afirmar isso pq obter uma espécie de orgasmo a partir do teu universo interior é acordar tudo que está adormecido em si, só que a partir de si mesmo. E o principal: é uma força motriz que não se movimenta, mas que traz pulsão a todo resto.
Estávamos no tapete da sala donde uma reprodução de Miró abraçava uma das paredes, as luzes azuis baixas num tom de puteiro (para alguém como eu, que gosta de ambiente iluminado) e começa uma canção: o pulso, um baixo que parecia roçar no solo do mesmo modo que brincávamos e me'tive como encorporado, compelido por braços e abraços, (e os meus que lhe queriam por inteiro), e ,ao clima do fim da canção, fomos nos arrastando ao quarto.
Não posso dizer que estava absorvido pela mesma pois nada naquela altura se encontrava em separado: pele, mente, som e o silêncio dos corpos naquela brincadeira.
Mas puta merda! Colocar uma música dessas é querer me ver apaixonado, arrastado, jogado e indefeso. Pra minha alegria ela terminou e se seguiram outras. E até mesmo não me surpreendeu que o gozo tenha quisto imitar um quadro de Pollock, jogando-se à parede em conjunto com todo seu ambiente.
A música... o que ela faz ... melhor compreende quem viveu entre tambores de pontos observando como se liga diretamente ao espírito. O modo como uma batida representa uma energia, desdobramento de tudo.
O sexo através da canção se torna um "tocar almas", ainda que pro mais convicto ateu.






Obs.: pelo dia do sexo (ontem) desenterrei esse escrito. Pq o amor nos faz deuses.

Filosofia Pop II

O que posso destacar com fascínio sobre a Filosofia, é o Banquete de Platão: o discurso vivo que reproduz outros, surgindo um discursar sem fim, EROtizado e apaixonado (filo: amor).

O Marcos eu conheci pelos grupos de emails e quetais no início da década passada. Era um horror esperar pra ouvir e principalmente buscar infos sobre seus álbuns de rock favoritos (que no meu caso, os brasileiros da década de 80) e se deparar com uma leitura preguiçosa e perniciosa de críticos/jornalistas. No entanto, para além de um "gosto" ou "não gosto", as minhas falas acerca dos Engenheiros do Hawaii não foram bem vistas pelos fãs e fui expulso.

'Me aproximei pessoalmente do Marcos quando passei uma temporada no Rio tentando resolver a vida; e lá já ficou a impressão de que seus escritos tão logo iriam ganhar a vida nos livros (o que ocorreu com o "Ensaios Legionários" e posteriormente, o "Máquina do Medo").
Convidei-o para o Fil Pop no ano passado dividindo literalmente o palco: tocando/cantando e ele discursando. (Aqui: https://vimeo.com/102251264).

Pensando na importância da "presença" (lugar) e do "encontro" (entre as pessoas/entes), nestes assuntos que ficam submersos, é bom quando você encontra essas pessoas dispostas a darem força para aquilo que se acredita. Principalmente de um discurso vivo, no momento em que de fato se PODE fazer alguma coisa, que seja o seu mínimo... que seja aos que estão na batalha contigo, que seja uma citação numa entrevista numa revista de Fil em seu sétimo ano e qüinquagésimo número. Que seja... hHa.

É por isso que nunca te larguei, Marcos. A gente sente quem tem ímpeto de Eros... Que ao meu ver não é síndrome de eternidade (como entendem uns pensadores franceses), eu (o Zé Ninguém) acredito que apenas um espelhamento da natureza: que ainda é a mesma desde quando se formou. Ciclos, ciclos e ciclos e é tudo a mesma coisa em diferentes composições/estados.

Ahh, o erotismo que me segue!





domingo, 31 de agosto de 2014

Rob, o couro e eu

 Rob Halford é vocalista da banda Judas Priest, um dos responsáveis pela inserção do uso das roupas de couro no heavy metal. Tal fato já havia sido explorado de um modo mais ameno pelo rock rebelde sem causa e mais tenso/underground por bandas no princípio do punk ao final dos 60, provindas do "submundo" gay e rockers (motoqueiros dos 50').

 Para o ambiente misógino do rock, me foi confessado - com um ar interessado (de quem percebe a dificuldade em falar sobre este assunto) -, que o vocalista era homossexual. JP é uma das maiores/mais influentes bandas do heavy metal, junto com Black Sabbath/Iron, e este ponto entrou no assunto como introdução: Rob havia saído da banda nos anos 90' e assumido numa entrevista, por querer ser sincero com seu público, sentindo que isso lhe faltava.


 Quando me apresentaram o Judas, foi naquela frente/estilo de Painkiller: pedais duplos, solos/vocais estridentes, velocidade,..., um heavy que já tinha evoluído e passeado por várias vertentes. Só que um conhecido - sabendo que essas coisas não eram minha praia, me apresentou Don't Go, onde encontrei minha paixão. 
(sendo que a música era tida como bobinha diante da sua simplicidade).


 No entanto, adoro tudo nessa canção: o primeiro ponto dos instrumentais, as pausas (esse silêncio/vazio entre as coisas), a bateria marcada e a evolução para E soltura do refrão.



 No clipe, é possível notar que a banda parece personagens de uma história do Tom of Finland, tb seguindo uma linha passional não tão agressiva. Toda indumentária está em torno do couro, roupa que marca o corpo, quepe, luvas,..., quase um sado/maso.

 O vídeo começa com uma porta abrindo e em seu topo o nome do álbum, as luzes acendem e a banda parece estar numa ideia de sonho, com nuvens atrás e linhas que causam perspectiva e ilusões. Rob se encontra no canto direito guardando os óculos de aviador, se vira e passa a cantar direcionado para um dos integrantes. Doído, fazendo gestos pulsantes (contidos e esparsos), tão valente e certo de si diz: oras, alguém disse que você irá embora hoje! O que é isso que está fazendo comigo? Quão tolo está tentando ser? Dizendo nada mais que um monte de tolices... tentando colocar algo nas minhas costas.

 O outro dá de ombros e se vai. Indo até a porta, grita: não vá! Por favor, não me engane... não deixe isto acabar.

 Tão apaixonado, ele muda o discurso se tornando passional (no verbo e nos gestos): eu faria qualquer coisa por você (...), não me deixe só, eu não gosto disso.


 Outros saem deste "quarto dos sonhos", direcionando-se para desejos seus: tornar-se astronauta, outro um "médico" que irá brincar com as "coelhinhas" e o último um detetive de mistérios noturnos.

Obs.: Não pude deixar de lembrar de Cazuza, nesse clima de "sonhos": pra quem não sabe amar e fica esperando alguém que caiba nos seus sonhos, como varizes que vão aumentando e insetos em volta da lâmpada.



  Rob inconsolado no final, esticando o braço esperando um retorno (ficando no ar), termina esmurrando o nada, no que a porta se fecha.


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 Alguns acontecimentos foram um respiro, o circular do ar/brisa naqueles espaços que pela inexperiência de si (com o mundo) eu desconhecia. Mas tal alívio e gozar foram sentidos imediatamente - embora que por um curto período de tempo, sem saber como vieram, de onde vieram, pra'onde foram.



 Hj, quando dou um rewind na memória por aqueles tempos dos 16, consigo costurar muitas pontas soltas, não deixando de construir formas rizomáticas de pensamentos: como as coisas vão e voltam, sobem e descem, ficam numa paralela e ao mesmo tempo na transversal.


E embora não pudesse dizer, achei o máximo um símbolo mor do heavy metal trazer essa influência do "submundo".  Tb estranho pensar que em termos de música, Judas era uma das bandas quais eu podia circular mais à vontade entre os amigos e noite/shows... ainda que estivesse distante da minha lista de favoritos. Mas era preferível o heavy metal, speed, trash,..., a todo aquele princípio de gestão horrorosa que assola a música noturna atual, gestores estes que não encontram mais lugar nem nas prateleiras das americanas.


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 Ontem o Contracultura na Cultura FM estava fazendo um especial sobre o novo álbum da banda... e há tempos estava com essa vontade de escrever sobre o Judas. Aproveitando os ares do novo.... pari.







obs: desenhos de Tom e fotos de Mapplethorpe.

Sid Vicious, da banda punk Sex Pistols usando uma camiseta com desenho do TofF




















sábado, 30 de agosto de 2014

Cada pelo


Nunca tive o coração tão leve, o corpo tão pleno e a mente considerando os mesmos quereres. Para a fuga de seu uso vulgar, não os fazer/fazia/faria morrerem na fala cotidiana ou no roteiro das mesmas esquinas, evitando passar essas palavras pelos lábios mas deixando transferir-se pelas mãos, toques e gestos.

Nunca tive o coração tão leve pra dizer o amor,..., a paixão - mesmo sentindo em cada pelo do meu peito uma espécie de absurdo. Em outrora nada sabia disso e era atacado por este súbito desejo que me fazia querer rezar corpos como pontos de um rosário, sentindo deus através deles.
Então era um encontro (no sentido de tensão) que se travava em mim, lembrando quando brincava com autofalantes traseiros de carros - aqueles enormes para uma criança - tentando separa-los no instante que se atraíam. E ontem, tive essas sensações que me eram tão peculiares nos pós-shows: entre eles os tratados de "quero colo, vou fugir de casa, posso dormir aqui com vcs?". E na diferença que o sopro me traz um cansaço qual eu não poderia arrumar o caos que armei nos dias anteriores.

Um horror, um horror. Quase abracei uns 300!

E eu penso: que bobagem e re-clamo. Re-clamo pq ainda considero os mesmos quereres e sei da minha responsabilidade nisso tudo que estou,..., no mais, sempre estarei re-clamando qualquer coisa, ainda que uma migalha, ainda que tudo, querendo um corpo como meu porto seguro: quero que teu corpo seja meu porto-seguro. Eu quero que teu corpo seja o meu porto seguro. Eu quero que teu corpo seja o meu porto seguro!
E pra quem acha pouco-inferior-menor, pois saiba que a tudo irei reencontrar quando esse passeio na terra ter seu fim.... menos o corpo: exato, doído, amado. E tudo o que ele faz de nós... concomitante a qualquer movimento.

Um absurdo! Um absurdo!

Não é preciso dois instantes a mais pra perceber a grandeza do momento, o que ele traz afinal... 
Só que por ora, sou rei do "antes só", pois não dá. Não dá. Não dá!
Se a solidão tivesse dimensões geográficas, eu seria a porra de um universo.
Putamerda!!! 

Fim do capítulo mariadobairro, mas que é sincero por demais.

terça-feira, 29 de julho de 2014

Ibe_rê

- Tu falas feito um poeta. É artista?
- Não. 
E fugi desse assunto pq naquele instante estava tentando ser casual, melhor dizendo, querendo uma "experiência casual legítima", completamente vulgar. Só que sei lá pq falamos sobre delírios e provocações, sobre a idade e seus tempos, partidos e corações, e mesmo que quisesse ser sacana,..., a conversa despencava pro oposto da minha intenção.
- Tu és escritor?
- Não!
E eu fugia imensamente desse assunto. "Essa coisa é mais forte do que eu", pensei. Não consigo me ocultar? Só que de repente como um ímã, o prazer se faz no pensamento e o pensamento se faz no prazer. Imagino que não pelo fato do sexo ter se tornado tão fácil que devamos ser fáceis no pensar e imbecis nas relações,,,,,,, pegando atalhos, frases feitas, memês, artigos em blogs, frases da psicanálise ou aquelas perguntas a que se dirige no "açougue".

Claro, saber do tempero e suas doses exige algo mais que:
* um microondas,
* a ponta do dedo pra teclar 
* e a comida pré-pronta.

Mas não é pq a refeição é fácil de ser feita que o pensamento tem de ser ralo, que as relações interpessoais devam ser basicamente medíocres pra atingir o gozo... sinto assim.
- Não, mas cara... tu é artista né?
- Tchê! Tá, vou te mostrar umas coisas... aí tu me diz.
* olha, olha, olha *
- Tu deveria saber que ao artista não cabe o anonimato. Eu como um cidadão comum posso me dar a esse luxo, mas não tu.
- Cara. Nesse mundo de modelo "mostração",..., procuro um modo de não ser confundido com uma vitrine linda. A arte tem um muito de autoreferência e eu trabalhando com certos aspectos, como autorretrato... me deixa ainda mais com ganas de ter cuidado.
- Mas eu te percebi na multidão.
- HAHAHA. Eu não sei, só busco um modo de não me enfraquecer...
- Não acha que isso NÃO é um problema teu?
- Procuro o cuidado, mas sei que minha cabeça pode ser um inferno.
- Eu vejo.
- HAHAHA. Mas parece que gosta! HEHE. Vá, não é tanto assim...
- Falando sério. Esse aspecto de ser desconhecido não cabe a quem tenha o que dizer. Não precisa publicar que shorts está vestindo, mas pode usar os meios sem medo.
- De repente se pode potencializar esta merda de fato.
- De repente. Mas não queira o anonimato! 
Disse, naquele sorriso sacana que usava pra falar da Andradas e Guaíba, Iberê a Bethânia.

E ao mesmo tempo que tentava eu ser casual, ele tentava ser um cidadão comum. E claro que essa tentativa não deu muito certo pra nenhum dos dois.

#MateusCapelo

domingo, 29 de junho de 2014

Do dia


Desenhando, esculpindo, intervindo, lendo, escrevendo e cozinhando. Enquanto desenho, na imagem salta um pensamento que tem necessidade de ser escrito. Ja impossibilitado de ver os traços, passo a esculpir dando pequenos espaços de tempo pra obra respirar. Leio... preciso comer... cozinha cantando.

No som: Elis, Legiao, EngHaw, Radiohead, Nirvana, Chet, Secos, Capelo , Pescado Rabioso,...


CIGA - RJ

Momento concentração (ou tentativa) no CIGA em abertura da exposição doAlexandre Mury, "Eu sou a pintura". Entre fotos, risos, cevas, pessoas, conversas e lá se vai...


http://www.artrio.art.br/pt-br/agenda/eu-sou-pintura-individual-de-alexandre-mury


segunda-feira, 16 de junho de 2014

Qorpo Santo

 Qorpo Santo (1829-1883) foi um escritor/dramaturgo/gramático/professor/poeta/jornalista brasileiro geralmente associado como precursor do chamado teatro do absurdo. E claro, pouquíssimo conhecido. Há uma postura que o compreende como uma mistura do teatro brasileiro da época: a comédia de costumes + teatro realista + farsas portuguesas de Antonio José, gerando  uma obra única e dando o grande tiro antes das vanguardas do século XX.  Mas como o "Brasil não conhece o Brasil", assim vai matando o Brasil.

  Ontem a noite tive a sorte de assistir uma peça sobre sua vida-obra no Teatro Bruno Kiefer. Precisava arejar, ver alguma coisa que me alimentasse... Então caminhei pelo Gasômetro, ouvi duas bandas de rock que lá tocavam, retornei às Andradas e subi ao Teatro, sendo o último a entrar (já em tempo esgotado).
 Todos em cena (e eu mal conseguindo sentar), instrumentos de corda abrem o espetáculo(violino, cello, viola,... Sonoplastia/trilha sonora espetacular acompanhou a peça (que ia de gemidos/estalos com boca/batida de pé até sopro).

 Os primeiros cinco minutos dizem a que veio este homem: debochado, filosófico, professor. Os hilariante  delírios de Qorpo Santo, que adotou esse nome por pregar a castidade após o abandono da mulher e filhas, é um algo que acompanha a peça de início ao fim. Pela sua mania de escrever sobre tudo (não sendo um mal reconhecido pelos especialistas no Rio de Janeiro, declarando gozar de boa saúde), principalmente por querer gerir seus bens, a esposa entra com uma ação que põe em dúvida sua sanidade. Embora nove laudos negativos contra um, foi considerado louco pela justiça da província de São Pedro.

 Mais espetacular é sua "defesa" no tribunal gaúcho:
- Tu estás falando de sonhos, e aqui nos interessa a realidade. diz o 'especialista 1', o único a considera-lo insano.
- Na verdade, eu penso o contrário de meu colega, diz o 'especialista 2'. Para nós, interessam os sonhos, assim como para os artistas e loucos: onde tu te encaixarias?
- Oras! Eu não vou te responder pq este é o teu trabalho!

 Sendo assaltado algumas vezes, na última, resolveu pregar as portas de sua casa e usar uma das janelas para entrar e sair de casa (onde era posta uma escada). A cidade fala mais de seu método anti-furto, considerando "estranho/louco", mas não estranha a violência, os assaltos. Percebendo isso, mais uma vez ele escarnece.

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 Outro diálogo:
- A senhora é uma puta!
- Sabe que muitos dizem isso, mas eu ainda não me convenci?!?!
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 Assim. Espetacular e preciso. Quando vejo essas coisas, pergunto-me: quão gigantes seríamos se tivéssemos encontrado nossa história? A história de nossos iguais, de nosso entorno. Não apenas o jeitinho, a malandragem, a roubalheira, a colonia... mas e se pusessem sua preguiça de lado a fim de colocar a cabeça a funcionar, não apenar para o conforto... mas conhecer o que "foi feito para melhor prosseguir"?

 E eu vou desenhando e fotografando... deixando espaços vazios/abertos entre o indivíduo e o lugar/momento para me colocar a favor do conhecimento histórico: mínimo, edificador, autônomo.

 Uma das conversas/críticas sobre a escrita de Qorpo Santo, exposta em tom absurdo, faz a plateia gozar:
- Mas não me digas que tu vais ao teatro pra pensar?!?! Diz o 'especialista 1', como quem fala uma obviedade sobre o conforto do gozo a que todos desejam.

 O mais engraçado é lembrar quantas vezes eu já ouvi isso, mas retirando o "dispositivo" teatro, para rádio, tv e computador.
 Aiaiai.

domingo, 30 de março de 2014

Registro



Do meu fascínio por registro, tudo que pudesse grafar/gravar/imprimir sempre me encantou. Além da escrita, estes foram alguns baratos que me restaram de tempos antigos e até recentes.