quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Para Sempre Teu, Caio F. (parte 1)

 Chegaria na hora exata.
 'Tava bem alimentado: ouvia um grupo de canções bem selecionadas que faziam a Augusta ganhar flores, mais leveza e menos carros no meu olhar. (E aquele cano estourado embaixo do asfalto ainda jorrava água). De repente um pensamento me atravessa num fio afiado: e se não tiver mais ingresso? Ah, ontem ainda tinha até a última hora... Pois quem é que gosta de literatura nesse país????.... ....  Ah! Mas o Caio... o Caio é cult hj. Bah! Será q...? Não, não. Vai ter!!

 Nas três última quadras até o cinema disparei. Corri feito uma criança que brinca de costurar os humanos, sacos de lixo, postes e carros. É curioso como conseguem tirar a graça da simplicidade. Quer dizer, falo dessa coisa que chamam de le parkour. Pra ficar ainda mais chato, só falta haver uma competição disso. Aí é a retirada do jogo das coisas simples (a brincadeira pelo justo e simples desejo de subir/pular muros, grades, andar sobre fios de concreto finos) e colocar no lugar a competitividade, o ganho, a dualidade do vencer ou perder.

Enfim!
- Não tem mais ingressos! Atirou a moça ao me ver chegando.
 Incrédulo, perguntei a quem realmente estava atendendo:
- Mas é para este filme aqui oh? Jura? Não tem mais?
- Não.
 Ela pegou a programação e confirmou comigo se se tratava do Caio.
- É este que quero v...
- Não tem mais. Está esgotado.

Não sei se era a minha miséria, mas vi um prazer nela em me dizer isso e QUE MERDA! QUE MERDA! Quanto tempo com um tesão pra ver esse filme? Nisto, veio um fashback de mim mesmo lendo críticas sobre o documentário enquanto me açoitava: Burro, Mateus! Tu é muito burro! Poderia ter visto ontem! 'Tava lá, na fila de espera e saiu pra ver os outros filmes! E tinha ingressos! Tu é burro, hein? Ca-ra-lho!

 Tá. Sem pânico... vamos encontrar uma maneira. 
Avisto uma mulher com a camiseta do festival. Aguardo. Pergunto:

- Olha, acabaram os ingressos. Tem como eu ficar quietinho-num-cantinho-sentadinho-no-chão do cinema? Não haveria convidados faltantes?
- A gente tá lotado.
- Mas e se eu esperar até uma meia hora e ficar algum lugar livre?
- Se a pessoa já possui o ingresso - que é o caso - ela pode entrar a hora que quiser... ...

 E eis que chega um dos jurados: não havia ingresso mais nem pro infeliz! A moça saiu para tratar disso e foram chegando convidados VIPs (mas que tb ficariam de fora). Pediram que se chamasse o diretor do filme e nisso, fiquei implorando de joelhos para um rapaz que ali trabalhava, só que pelo mecanicismo da resposta dava pra ver que eu 'tava rezando pro santo errado. Fiquei mirando a programação ainda incrédulo e insistindo comigo que tinha que entrar.
 Bem. Tá certo. Eu 'tava em desvantagem: vinte mil convidados (!que chegaram super atrasados!) estavam ali aguardando o amigo diretor. Que chances tenho eu nessa bagaça?

- Tu sabes se há possibilidade de abrir uma sessão extra visto a procura? Ou se ele entrará no circuito comercial logo mais?
- Eu não sei. Mas vc pode perguntar pro diretor.
- Quem é?
- Aquele de cabelo raspado.

 Sem jeito nenhum e mal sabendo como articular um princípio... as quatro primeiras palavras saíram ausentes de significado. Reparando no modo qual ele inclinou a cabeça e olhou nos meus olhos, tive certeza que não iria conseguir ser gentil, educado ou demonstrar o mínimo de concordância, segundo minha pressa. Só que até aí tb foda-se, né? 'Tava eu ali me metendo com o cara:
- Quando o filme entra em circuito comercial? - joguei direto.
- Próximo ano. Eu sinto muito... -
e me deu um tapa no peito.

Peguei a programação e sentei num banco. O tal moço se foi levando os amigos convidados até a porta de saída. Cada vez que tentava chegar aleatoriamente a uma página qualquer do livreto, vinha a bendita sinopse sobre o filme do Caio. Ele lá, bonitão e elegante zombando da minha idiotice: tu é muito burro, Mateus! Pensava eu. E de novo, e de novo, e de novo aparecia ele.  Para sempre teu, Caio F. Para sempre teu, é? Que juras! Que juras são essas, Caio? Para sempre teu uma ova, seu peido de buceta!

 Levantei para deixar o caderno de programação junto à mesa e, numa seqüência de fazer inveja à cinematografia, o diretor surge num compasso mais acelerado que o meu e, disfarçadamente, pega minha mão (enquanto eu depositava a programação e agradecia) me levando junto à sala de cinema.  
 Se antes estava incrédulo, exasperado e atirando pra todos os lados (e contra mim mesmo), nesse momento já 'tava mortinho da silva no Olimpo. Na boa, eu posso dizer que eu morri ali, não? Com toda a espera, desejo, tesão e desvantagem... aconteceu. E ser banhado por Caio é ter a premissa de não ser mais o mesmo: então é morte só pra dizer o contrário, que está vivo, bem vivo... E sentadinho no meu cantinho como bem queria.

 Pela tarde de ontem, tentava organizar minhas folhas/anotações e me deparei com uma frase do Caetano, que transcrevi d'uma entrevista. Dizia o seguinte: é engraçado a força que as coisas parecem ter quando elas precisam acontecer.

 Viva o mestre!

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Da Família

ELE:
Que saudades, meu veio! Morei com a tia Lene e o tio Beto quando estavam em São Leopoldo. Acho que tinhas 6 ,7 anos.. não me lembro ao certo. O certo é que eras muito meu amigo e isso! Mesmo estando mais velho e não te lembrares, te levo dentro do meu coração. Um abração do tamanho da saudade que tenho por ti.
EU:
BAHHHHH! NOSSAA! Claro que lembro de ti. Tu ficou lá em casa por um tempo

ELE:
Te lembras de mim?
EU:
Claro. Eu não tinha visto antes sua foto, aí apareceu aqui ao lado o seu pedido de amizade... reconheci a foto mas não pelo nome.
ELE:
Quero te pedir desculpas. É que eu te incomodava muito, eu era muito chato contigo... igualzinho ao fulano.
EU:
HEHEHE Todo mundo me incomodava pra caramba... não sei pq. Mas sem problemas.
ELE:

É que eras muito querido. Cativavas as pessoas com facilidade.
EU:
Olha só! Depois tu me relembra as histórias daquela época. Lembro que algumas pessoas ficaram ali em casa por um tempo. A Lena, a Ale, o Alemão, a Dete, enfim...
ELE:
A tua mãe tem um bom coração. Gostava de ver a casa cheia de gente, e bicho também. 
Tenho que ir, outra hora a gente conversa
EU:
Vai lá que depois a gente conversa.
Bom te reencontrar.



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 Tinha um tio (entre vários) que adorava me irritar. Não lembro de que modo revidei numa situação em que o mesmo me arrastou até o chuveiro (de roupa e tudo), ligou e ficou me segurando embaixo da água fria. Era comum entrar nos socos com ele: pro meu tio eu era um anãozinho; e eu apenas estava me defendendo.

 Diria que era uma prática familiarmente sadia, embora me levasse à loucura irracional: meu tio me torrava, cutucava ou zombava, e eu ia pra cima dele. Ainda assim, não havia desrespeito pq tinha um limite qual não se ultrapassava. Enfim: esse era o modo que meu tio se relacionava comigo: NEM CERTO, NEM ERRADO. Era apenas o modo que ele encontrou de se relacionar, de se aproximar. Certo que há modos mais interessantes, mãããs... o mundo ideal não me interessa.
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 Final dos anos 90/virada para 2000 foi uma coisa horrorosa em vários sentidos, principalmente econômico. 'nos Mudamos e, por um período, trabalhávamos na praia em um ponto para gerar renda extra. Esse mesmo tio foi chamado pelos meus pais para auxiliar nesse negócio.
 Pra mim, os dias eram chatos e além do trabalho, a cultura de praia, adolescência, corpos, namoros,... havia nisso tudo um "ao redor" que não me integrava/interessava. Então, passar esse tempo descascando milho e servindo turista era uma forma de lidar (em off) com questões quais considerava mais importantes e escrever/ler nos momentos que podia.
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 Verão acabado, uma noite entrei no quarto de minha mãe onde eles acertavam o pagamento: ambos chorando... ... ... sabendo da dificuldades daqueles dias, meu tio parecia sentir por ter de aceitar (ao tempo em que negava)... e minha mãe chorando por não poder lhe fazer mais (insistindo pra que ele pegasse).

 Naquele noite, eu vi o quanto o meu tio-chato-que-me-enchia-a-paciência era importante pra minha mãe, pra toda minha família, mesmo que ela não soubesse. Naquele choro vislumbrei inúmeras histórias que desconhecia. Embora minha relação particular com ele tenha sido basicamente de um tio chato pracaralho... era o meu tio, que era/é muito especial pra mãe.






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A carona

- Quando vc me perguntou se eu sabia da minha sedução...
- Na verdade não te perguntei, afirmei que vc não sabe o quão sedutor é! Exclamou me interrompendo.
- Sei lá.
- Primeiro que vc é bonito.
- Obrigado
- Segundo que tem presença. E dai terceiro, que o modo que vc fica mirando alguma coisa durante a conversa, um outro elemento, olhando pro distante, as pausas, é muito sedutor.
- HAHAHAHAH. Mas isso eu posso te desmitificar facilmente. É pq sou vesgo, então fico com vergonha de ficar morando nos olhos. A não ser em um momento de flerte.
- Não dá pra perceber de primeira... mas ainda assim, isso é de uma sedução extrema!
- Bem, mas não há mistério algum. De qlqr forma... (pausa).
- Pq? Isso te incomoda?
- Não sei. É chato se for mal interpretado. Quer dizer, meu motivo sendo claramente um...
- Mas aí é problema do teu interlocutor. E se desperta algum sensação no outro, ele precisa descobrir como te conquistar.
- Sim. 'Me parece. - 
O trânsito segue bem. As luzes vermelhas dos carros se multiplicando no vidro e espelhos me fazem lembrar de uma atração em outro momento. Continuo: 
- E vc tb é sedutor, mas hj te vi exclusivamente com outros olhos. Noutra situação, mais livre do que uma conversa de negócios... vc era uma coisa assim...
- Obrigado.
- Só que hj... foi diferente.

Chegando no Copan, me despedi sentindo uma vontade tardia de lhe dar um beijo... mas seria covarde demais. Embora não tenha captado de imediato suas intenções ao ficarmos a sós por um longo tempo, horas antes,..., só naquele momento o olhar que até então eu cobria se modificou.
Ainda que vendo novamente aquele homem apaixonado pelo que fazia numa noite distante, me contentei em apenas agradecer a carona e cia.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Sartre, a betoneira e as nádegas de Lucien

Lembrei de um mail que recebi de um amigo uns anos atrás, dizia:


<< A questão do trabalho foi uma coisa que nos aproximou bastante, nunca tinha percebido isso. Na entrada no ensino médio, com toda aquela gente nova, talvez tu fosse o único além de mim que teria mais assunto falando sobre uma enxada do que sobre o Nintendo. Ou como quando eu comentei que no lugar onde estava morando, as paredes ainda não tinham reboco e as camas eram feitas com madeiras de obra sujas de cimento, lembro que o Fulano franziu a testa meio assustado, mesma reação que eu tive quando tu disse que depois da aula tu iria pra casa “fazer” o teu quarto.
- Tá, mas como?
- Ah, tem as madeiras lá, é só ir pregando.
Haha, e ainda pensando na possibilidade de colocar caixas de ovos dentro pra ter mais acústica.
(...)
Estávamos acostumados com a tua imagem das primeiras fases do ensino médio do cara que só tem 2 reais na mochila – “e hoje é terça-feira e esse dinheiro terá que durar até o final de semana”! Hehehe.>>
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Durante o segundo grau foi ele quem se aproximou a fim de fazer amizade... de resto, essa tentativa partia de mim. Ma' na verdade, não entendia muito bem o porque disso, e, num princípio, até desconfiava que isso pudesse ser mais uma coisa de meus colegas. Hj eu brinco que ele poderia ter “sido alguém” naqueles anos, já que sobre mim caiam diversas problemáticas que o mesmo não tinha para com os outros. Consegui fechar uma amizade com esse cara pelo fato de que, num dado momento, sabendo que adorava Engenheiros do Hawaii, ele pediu que lhe mostrasse algumas canções.

Como havia lhe dito num mail anterior: a educação do trabalho foi algo que nos aproximou bastante. Só pra se ter uma ideia, ambos tínhamos ótimas notas, trabalhávamos construindo casas (quais nossos pais alugariam e moraríamos), chegamos a matar aula para estudar na biblioteca (a professora era ruim) e saíamos às vezes mais cedo para comprar material de construção (já que estudávamos no centro e pela manhã).

Alair Gomes
Num momento, passamos a escolher alguns livros para discutir e fazer uma troca de impressões. Tendo os EngHaw citado uma frase de O Muro, de Sartre, escolhemos este. Ele lia mais rápido que eu, que em um momento de espera (entre empilhar tijolos, carregar coisas com carrinho-de-mão e cavar buracos), conseguia avançar um pouco.
Óbvio! Não poderia dizer que aquilo na verdade aguçou ainda mais minha curiosidade... Ao passo que ia lendo, o curto tempo que tinha para me debruçar em alguns parágrafos, entrava em delírio: e era uma delícia. A tensão gerada desde o início do conto, o modo que o personagem foi se desenvolvendo, as conversas provocadoras que havia. Bah!

E eis que chego naquele “Vc tem umas nádegas gostosas, falou de súbito”. Neste momento, eu 'tava fazendo reboco na betoneira (depois de uns meses tendo de fazer no braço). Jogava a água+areia+cimento, deixava rodando e lia. Fiquei estarrecido quando vi esta parte e, me confundindo com as pás, peguei a de corte (que é muito mais leve) e fiz uma força como se erguesse mais peso, sendo que sem querer joguei a pá e parte do meu braço (que segurava) pra dentro da betoneira, batendo numa das hélices. Resultado: tendo a máquina dado uma primeira parada brusca pelo peso excessivo, o motor compensou a força do giro e me lançou pro outro lado da sala.

Sempre que leio Sartre, a imagem da betoneira me aparece. E ela vem junto com a sensação das pilhas do walkman acabando, a fita cassete perdendo rotatividade aos poucos e deixando a voz grave. A terrível sensação de ter de ficar sem música ou colocar nas únicas duas rádios que só passavam merda (a música que todo mundo ouvia e ninguém escuta mais). Com as horas de ônibus entre casa/escola, dormindo, lendo, escrevendo ou conversando com alguém. A espera de meses para conseguir ouvir um disco e encontrar pouca coisa escrita sobre; de horas pra poder tocar violão; de chegar o final de semana e aí sim poder fazer outra coisa.

Aprendi pra caramba naqueles tempos. Meus pais devo imenso respeito e aproveito pra dizer que a psicanálise praticada hoje me parece uma besteira sem tamanho talvez pq os vi rir, abraçar o mundo, chorar e contaram comigo pra estar AO SEU LADO em momentos complicados. Ao invés de esperar deles um “suposto papel” que se acredita dever possuir, não os via com olhos de heroísmo. As (não muitas) vezes que apanhei na infância, algumas foi por ter assumido meu erro, ter contado o que aconteceu. A minha medida pra isso sempre fui eu mesmo: sabendo o que eu gostaria que fizessem comigo e o que não gostaria que fizessem comigo.

Talvez muito por isso tenha ojeriza de conselhos. Eles me parecem objeto da crença de pessoas que vivem uma mesma vida que os demais, mesmos caminhos, erros, medos e o mesmo processo de tempo. Tipo: “ahhh, agora você tem 18 anos então isso”. “Ahhh, agora você tem 40 anos então aquilo”. Oh, ovelhinha... segue o pasto a para de mÉéÉéÉ. O aprendizado se dá pela vivência, diálogo/conversa, troca e é mútuo. Bjnucu.

MIlton Kurtz (cedida por Mário Rohnelt)Então eu aprendi sexo ouvindo confissões de outros e lendo Sartre, Platão, biografias. Passei a pensar o que poderia ou não assimilar dentro dos meus desejos. A história de Lucien contada pelo filósofo francês tinha algo a ver comigo: não a juventude do protagonista (esta vontade de ceder à qualquer babaquice pra ser aceito. Sim,..., é isso que entendo como juventude: UMA BABAQUICE sem precedentes; seja James Dean em seu possante pra provar que é machinho ou esses jovens que hoje fazem grupo no whatsapp pra se suicidar porque é bonito)... mas sim, o desejo, as provocações à inteligência, o desregramento.

Leio filosofia de forma infiel e assim prefiro. Busco compreender um pouco do sistema, da compreensão do pensador (sua corrente), mas o que quero realmente é diversão. Ler um parágrafo é como fertilizar uma coelha e isso é um problema muitas vezes. Acho ótimo que nos meus dias de pedreiro tenham estes me acompanhado. E não tem como esquecer: Sartre pra mim é uma betoneira.

O sexo em si é tema que sinto urgência em explorar por duas razões que considero simples: ainda é um dos mais efetivos modos de controle; e por uma visão particular de que se está aprendendo (por uma herança cultural) sobre o ato principalmente com sex symbols que ainda nem podem transar por uma questão de idade. (O que no fim acaba tendo efeitos de controle sobre as pessoas). Penso que seja impressionante o modo que o mundo visual fale do sexo, especialmente a dita música pop.


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LADO B (OUTROS TRECHOS de O MURO, Sartre):


Alex Flemming
“É seguramente Bergère”, pensou Lucien, com o coração batendo, “como é bonito!”
(…)
Logo que Berliac saiu, levantou-se e foi sentar-se sem cerimônia, ao lado de Lucien. Este contou-lhe longamente a tentativa de suicídio, explicou-lhe que havia desejado sua mãe e que era um sádico-anal, que no fundo não gostava de nada e que nele tudo era comédia. Bergere ouviu-o sem dizer palavra, olhando-o profundamente e Lucien achou delicioso ser compreendido. Quando terminou, Bergère pousou-lhe familiarmente o braço no ombro e Lucien sentiu uma mistura de água-de-colônia e fumo inglês.
- Sabe, Lucien, como se chama seu estado? (…) Eu chamo a isso Desajustamento. (…) Gosto dos seres que se acham desajustados, disse Bergère, e acho que você tem uma sorte extraordinária. (…). Vc vê todos esses tipos? São uns assentados. (…) Leu Rimbaud?
(…) mas muita coisa escapou-lhe e ficou chocado porque Rimbaud era pederasta. Indagou a Bergère, que pôs-se a rir:
- Mas pq, minha criança?
(…)
- A pederastia de Rimbaud é o primeiro e genial desregramento de sua sensibilidade.
(…)
- Se você bjr o traseiro dessas mulheres você é um filho de família, e todos dirão que você leva uma vida de rapaz. Pq são mulheres, compreende? Eu lhe digo que a primeira coisa a fazer é persuadir-se de que tudo pode ser objeto de desejo sexual, uma máquina de costura, um provete, um cavalo ou um sapato. Eu faço amor com moscas. Conheci um fuzileiro naval que se satisfazia com patos. Metia-lhes a cabeça numa gaveta, prendia-os solidamente pelas patas e pronto! (…) O pato morria e o batalhão o comia.

“Ele vai dormir comigo”, disse com seus botões. (…) “Vou pegar meu travesseiro e deitar-me no banheiro”.
(…)
Então um violento furor aponderou-se de Lucien, apoiou-se sobre um cotuvelo e disse-lhe:
- Bem, que é que espera? É para enfiar pérolas que me trouxe até aqui?
Era muito tarde para arrepender-se
(…)
- Ora, veja só essa femeazinha com cara de anjo... Muito bem, menino, não fui eu quem falou, pois então é comigo que você conta para desregrar seus sentidinhos, hem?
(…)
- Vc tem umas nádegas gostosas, falou de súbito.
- Elas lhe apetecem?
- Maldito blefador! Quer fingir de Rimbaud e a há mais de uma hora que faço tudo e não consigo excitá-lo.
- Não é minha culpa, fez-me beber demais e estou com vontade de vomitar.
- Bem, vomite, vá e bom proveito! Que noitada maravilhosa!
Estava terrivelmente humilhado mas não sabia se sentia vergonha de se ter sujeitado às carícias de Bergère ou de não se ter excitado.
(…)
Às vezes, quando trocava de camiseta, aproximava-se do espelho e se mirava com admiração:“Um homem desejou este corpo”. Passeava as mão lentamente pelas pernas e pensava: “Um homem ficou excitado por causa dessas pernas”.
(…)
“Bem, posso suportar um pouco de dúvida: é o preço que se tem de pagar pela pureza”.

Alair Gomes
 
"Uma tarde veio-me a idéia de atirar em homens. Era um sábado, eu saí para procurar Léa, uma loira que faz ponto em frente a um hotel da rua Montparnasse. Nunca tive relações íntimas com uma mulher; eu me sentiria roubado. Trepamos em cima delas, é claro, mas elas nos devoram o baixo ventre com uma grande boca peluda e, pelo que tenho ouvido dizer, são elas que ganham com a troca. Eu não peço nada a ninguém mas também nada quero dar. Ou então precisaria de uma mulher fria e piedosa que me suportasse com repugnância."


“Quando eu tinha quinze anos, queria levantar devagarinho suas batinas para ver-lhes os joelhos e as cuecas, parecia-me estranho que tivessem alguma coisa entre as pernas; com uma mão eu pegaria a batina, fazendo a outra escorregar ao longo das pernas; subindo até o lugar em que penso.
(…)
Na realidade nunca se pode segurar aquilo, se ao menos ficasse tranquilo, mas começa a mexer como um animal, endurece, me dá medo, quando fica duro e teso no ar, é bestial; como é nojento o amor. Amei Henri porque sua coisinha jamais endurecia, não levantava nunca a cabeça, eu sorria, acariciava algumas vezes, tinha tanto medo dela como de uma criança; à noite eu pegava essa deliciosa coisinha entre os dedos, ele ficava corado, virava a cabeça para o lado, suspirando, mas aquilo não se mexia, continuava bem quieto em minha mão, eu não o apertava, permanecíamos longos períodos assim e ele adormecia. (…).”

“com sua mania de se encostar às minhas nádegas; detesto que me toquem por trás, desejava não ter costas, não gosto que me façam certas coisas quando não as vejo; eles podem gozar sem que se lhes vejam as mãos; a gente as sente subindo e descendo, mas não pode prever aonde vão, eles olham a gente à vontade e a gente não os pode ver, eles adoram isso; Henri nunca pensou em fazer essas coisas, ele só quer saber de se encostar nas minhas nádegas e eu estou convencida de que ele me pega no traseiro de propósito, porque sabe que eu morro de vergonha de ter um e o fato de ter vergonha o excita”.
“Mas nunca achei correto o que ele faz quando sai comigo; vai a todos os mictórios e eu sou obrigada a olhar mostruários enquanto espero com ar do quê? Quando ele volta vem repuxando as calças e arqueando as pernas como um velho.”

"mas um dia, aproximaram-se das urtigas e Riri mostrou o pintinho a Lucien, dizendo-lhe:
- Olhe como ele é grande, eu sou um moço, quando ele for bem grande eu serei um homem e irei bater-me contra so boches nas trincheiras.
Lucien achou Riri muito engraçado e teve uma crise louca de riso.
- Mostre o seu, disse Riri.
Eles compararam e o de Lucien era menor, mas Riri trapaceava; puxava o pinto para alongá-lo.
- Eu é que tenho o maior, disse Riri"