sábado, 6 de junho de 2015

Gênesis IV

Foto: Fabiana Reis (Gênesis de maio)
Naquele trecho, a Augusta sofre uma queda que “obriga” qualquer criança a correr provocado por um desejo de se sentir veloz junto da inclinação que impulsiona o caminhar. Estava transitando nestes módulos de movimento e pensando sobre o case do violão quando, de repente, imaginando grita:
Daí, Mateus! Que bom que veio. Estávamos te esperando pra tocar em primeiro lugar! Haha. Tá lá o quadro.

Maravilha das delícias, gentileza é coisa dos fortes.


Receber um “olá”, vindo com seu nome e uma sentença convidativa é tipo, encontro das paixões... especialmente considerando a situação de estrangeiro em terras bandeirantes.
{{{Um tempo atrás, certo rapaz tendo me visto diversas vezes andando sozinho em bares e, ainda assim, conversando com todo mundo, me contou que ele e seu ex me chamavam secretamente de “Lobo Solitário”. Ri pacas.}}}

Desta vez, apenas o primeiro lugar estava vago e o quadro já quase completo. Como na primeira empreitada 'eu tinha aparecido no horário de abertura, esperei um tempo até a coisa começar, e aproveitei para me entrosar naquela ocasião.

Fui direto resolver a questão da mesa de som pois usaria o iPad como instrumento e então em seguida afinei o violão. Queria ter garantido que o dispositivo funcionaria pelo menos mecanicamente. Na coxia/área externa estavam dois músicos fazendo uma jam, sem antes não terem tomado um susto com a minha presença, coisa que valeu uma brincadeira – não posso contar aqui por ora – e desatou qualquer ignorância que tínhamos a respeito um do outro: empatia total.

Da outra vez 'eu fui pelo ímpeto e obrigação comigo mesmo. Desta, pela vontade de permanecer.

Outras conversas, encontros, apertos de mão. Revi o Denis e comentei sobre seu trabalho fotográfico com le parkour, luzes e tal; Participei de um jam tocando Bad Moon Rising e ouvi outros sons após incursões e arrumações. Incrível estar ali com aqueles músicos brincando, conversando, fazendo fotos, ouvindo, flaneu'ando,..., algumas pessoas a fim e dispostas a se misturar.

O Hugo veio dizendo para que me preparasse: por conta do quadro já cheio, começariam antes do previsto. Fui lá acertar os cabos, duas cadeiras (uma pra colocar o iPad) e me meti por ali antes do Ricardo fazer os anúncios no microfone.

Pensei em iniciar com uma frase que muito uso nos trabalhos plásticos, só que pensando na confusão que poderia ocorrer com cabo do iPad, pelo fato do aparelho estar do lado esquerdo e eu sendo destro (tendo que atravessar o corpo do violão pra tocar na tela); errar o tempo dos loops (o que cagaria o restante dos versos)... enfim. Soprei: 

- Boa noite. Isto é uma coisa que pode dar muito errada, mas tb muito certa. 

Resolvi atacar um cover (Psycho Killer) e outra própria (com um tema instrumental no início). Ter tocado InKava's no 'meu primeiro encontro me ferrou pelo dedilhado acompanhado do nervosismo. Seria melhor mandar um acorde fechado, bruto, com paletada. A opção por Talking Head veio pelo fato de que adoro interpretar essa música e pela sequência de base eletrônica que construí. Principalmente pq muito queria experimentar ao vivo (não mais em ensaios) o uso do iPad como instrumento.

 Batida começando, ataquei o violão. O canto veio natural, ora melodioso ou rasgado. Estava flutuando na canção completamento absorto e distante dali... olhando pra baixo me sentindo num lugar isolado e bom. Posteriormente lembrei de uma noite no ano passado em que Jean chegou e 'eu estava sentado na cozinha tentando melhor arranjar uma canção. 

- Que som bom. Vc não me viu aqui? 
- Não! 
- 'Tô aqui faz um tempo... 
- É que não enxergo do olho esquerdo, então não te vi. 
- Não acho que seja por isso. Quando vc está concentrado em algo sempre se vai pra outro lugar... 

De volta ao Gênesis, percebi que pelo andamento da canção tinha entrado no momento correto. A última vez que a interpretei deste modo deve fazer no mínimo dois anos... então eu 'tava aberto a possíveis cagadas. Passeando em pensamentos, cheguei no refrão e ouvi um uníssono da plateia: PSYYYCHOOO KILLEEER, QU'EST-CE QUE C'EST? (…) Daí, não pude mais me sentir sozinho, nem correr pra fora, nem nada. Se antes deslizava no violão e iPad, ouvir a voz do outro se juntando foi algo bonito. É possível que eu tenha ficado com a mesma cara de besta quando vi a Mariana Peter York (paixão da adolescência) diante de um disparo fotográfico que ela cometeu na minha direção à pedido de meu grande amigo Arthur (ao final de uma convenção): casos do acaso. Quando revelei o filme estava 'eu de boca aberta completamente bobo e o Twique com uma cara de “não acredito?! É ela a guria?!”.

Com sorte mandei outra, pensando muito neste caro amigo.

Cheguei a compor compulsivamente centenas de canções e outras centenas mais de letras. Temas instrumentais, canções em diferentes partes ao estilo progressivo, longas pacas, curtas, pesadas, baladas, conceitos de álbuns, capas,... Registrava tudo em cadernos, fita k7, mp3 player, vhs, words e o que mais fosse chegando. Depois, meio que cansei de compor e passei a pensar os arranjos (muito inspirado na música brasileira).

Em alguma conversa destes anos, Arthur me lembrou que a canção que mais curtia era “Taças”. A gente tinha uma provocação sadia neste processo de fazer música e curtíamos o que um e outro gerava. Embora esta canção seja um tanto melancólica, em homenagem ao amigo decidi incluí-la quase na íntegra (senão seriam uns nove minutos e haja paciência, embora o público ali estivesse bastante receptivo). Retirei um trecho da parte inicial e a última parte da canção (que era a explanação da consciência do auto-sabotar). Na verdade eu nem fiz o loop pra essa parte pq ela é demasiada fria, espanhola, rio grandense (entre tango e sapateado). Confuso, rápido, ligeiro... começava com uma milonga, evoluindo pra um trip hop e deveria acelerar o andamento. Muito trabalho pra um homem só!

Já tendo comido Caetano, bem sei: meu coração vagabundo guarda o mundo em mim. Fiquei tocando pensando no amigo, em sua esposa e nos nossos tempos de adolescência alheia ao mundo; da porção de coisas que fizemos e não vingaram (do modo que queríamos) pq simplesmente estávamos na hora e no lugar errado. A Ilha naqueles dias tinha uma possibilidade de abertura cultural absolutamente incrível e incrivelmente criativo. Mas entre o penoso e o assimilável, parece que a cidade preferiu o segundo. Acredito que algo pode eclodir lá, especialmente depois de colocar toda aquela galera (e quem mais surgiu) cozinhando na pressão por estes anos todos. De qualquer forma, se me perguntarem 'eu responderei: acho tudo ótimo!


Assisti até o primeiro momento do pocket show (no final da noite). Embora houvesse aquele tipo típico de músico que se acha a grande atração (a ponto de não ouvir nada mais do que a sua própria voz a cantar), tinha uma galera super interessada. Isso foi que me fez voltar com a alma lavada. Combinei algumas coisas com umas pessoas e conversei com outras sobre mil assuntos. Dei um toque no Ricardo sobre mandar um feedback deste evento, apenas arestas a aparar... julgo tal atitude (minha, de escrever a eles) necessária pq a gente precisa desses espaços... e melhor ainda quando surge uma penca de gente boa, a fim e FAZENDO!


Fotos de Denis Sitta

Alguns trechos da noite



























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terça-feira, 2 de junho de 2015

O véu



Aquilo foi uma espécie de suruba do carinho: havia um véu suspenso sob aqueles que arrastavam pés pela pista e que, aos poucos, fora caindo acidentalmente e encostando na cabeça de 'nós. Deliciosa ideia que ronda, começamos (entre uns 7) a tocar e usá-lo numa dança coletiva: primeiro a nos enrolarmos, depois enrolando uns aos outros. Tudo num tocar de rostos para sentir como ficava a pele e seu contato friccionado naquele pano. Braços negros, brancos, morenos e cabelos castanhos, loiros, ruivos,...

Depois da espera por alguma brecha (e muitas transas com o véu), já estávamos peritos na brincadeira. Em cada extremo, uma pessoa começava a se enrolar e dançar, de modo que havia um encontro entre as duas na metade. Finalmente, finalmente e finalmente, junto àquele a quem eu desejava, estávamos cobertos dos pés à cabeça, frente à frente. Tão próximos quanto não podíamos evitar, eu lhe disse:
- isso me lembra um quadro, "Os Amantes" do Magritte.
- não lembro, não sei se conheço.
- há um casal... eles tb estão com um pano coberto na cabeça mas se beijando.

Não foi preciso nada mais e nada foi mais preciso que puxar tal pensamento: fizemos Os Amantes numa curtíssima temporada. Desenrolando o véu saindo do intermédio com uma avidez foda, ele tomando primeiro partido, dando um passo e um sinal que algumas canções atrás eu tentava perfurar/encontrar. 
- eu achei que íamos precisar de mais alguns metros desse pano, tava demorando! Respondeu.

Ah... e tem quem ache que estudo e pensamento não seja coisa das maiores diversões.
Aiai.