quinta-feira, 18 de setembro de 2014

"Quem me inventou fui eu"

SONATA PARA UM' FOTO 
Não consigo separar o corpo do todo que constitui o ser, inclusive e principalmente quando digo EU, (vale ressaltar que dicotomias apenas enfraquecem a compreensão sobre si). Coisas que sempre acompanharam minha vivência em relação ao mesmo: enxergar apenas de um olho, o estrabismo, o aprendizado das sensações, o gosto/interesse pela leitura/imagem, a música e a magreza.
Obs.: E depois se agregou este ruído constante (que parece uma televisão antiga ligando) amplificando o som do meu próprio corpo, em que ouço minha pulsação, o ar nos pulmões e até mesmo o barulho de tomadas (principalmente de carregadores, como de celular/iPad/afins). Quando estou estressado, excitado ou exaltado, o som do meu corpo aumenta imensamente.

 Até meus 20 anos, minha estatura estava em 1,77 e meu peso raramente conseguia atingir 45 kg. Por isso, eu sempre ficava em cima da minha alimentação: era preciso comer comida de “verdade”! E a única coisa que atrapalhava esse cuidado, era o processo de criação (lendo, compondo, escrevendo). E até hoje não consigo substituir bobagens por comida, chega a me enojar o estômago.

 Relógios nunca serviam no pulso; cintos sempre ganhavam um novo furo; calças ficavam desproporcionais e, cabiam pelo menos uns três mateus nas minhas camisetas (já P). Enfim, já estava em desajuste com mundo.

 O chato mesmo eram as piadas, que não me importariam se não fosse pela sua presença constante nas falas. Ao olhar a foto (acima), qualquer um pode brincar do modo que quiser, e se lá atrás, a informação que eu ouvia era um “tu vai voar com o vento”, minha cabeça dizia: “gente e daí que sou assim?”. “Pele e osso”, e minha cabeça: “tá e daí?”. “Pau de vira tripa”, e a minha cabeça: “beleza, agora podemos conversar ou fazer alguma outra coisa?”. Até o ponto em que essa mesma tecla sendo batida diversas vezes chegava a irritar.

 No entanto, mais do que fazer apenas uma brincadeira, num ocultamento das falas eu percebia a intenção de humilhar, de querer repassar o cultivo de “fazer o outro se sentir menor”. Aí como até os 21 anos não sofri assédio algum... melhor dizendo, ..., não ganhava elogios pela beleza física (porque não tinha, mesmo) e até nem sequer havia beijado alguém, me desenvolvi mais no papo, na conversa, na simpatia, no carisma ou sendo um bom ouvinte, enfim... E sempre acreditei que a beleza das pessoas estava direcionada a isto: querer se saber, gostar de si, conhecer-se e respeitar. Ou seja, o cuidado consigo em todos os sentidos: espiritual, corporal e mental. Isso é o que eu entendo como beleza! Ler e me pensar foi minha grande vingança.

 Então era o seguinte: ou eu comprava o discurso já inventado há anos e que me tornava menor, ou eu buscava forças (em mim, na arte, na música) pra inventar o meu próprio discurso,..., cujo qual passasse a compreender esse ser que era o Mateus.

 Acho curioso o que as fotos mostram ao meu respeito: já não mais tenho esse rosto, eu já não tenho mais esse corpo. Hoje percebo que, quando depois de meses distante da casa de meus pais, esbarrei umas cinco vezes num quadro que sempre esteve pendurado ao lado das escadas sendo que isso nunca aconteceu. Identifico: já não ando mais da mesma forma, algo se modificou em mim.

 Essa consciência (no sentido de trazer as coisas para o primeiro plano,..., à luz do meio-dia) é o que me interessa. Tornar clara a percepção de que NADA SE CONHECE ou SE SABE SOBRE O CORPO, e que então se poderá parar de vulgarizá-lo, maldizê-lo ou inferiorizá-lo. Respeitar e querer a nossa PRIMEIRA casa, o lugar que participa de tudo e que TAMBÉM (como outras coisas) torna cad'um único.

 E por mais que minha experiência nos 20 primeiros anos tenha sido complicada, eu amo tocar os corpos de quem gosto. Eu amo só o fato de estar ao lado, de poder olhar, de participar; mas às vezes gera um desespero pelo exagero dos desejos: e aí o corpo pede calma.
Não alimentei o “discurso do trauma”: fui eu quem me inventei; meu corpo não é colonizado... e do resto a gente vai trazendo à luz ou deixa nos noturnos o que for necessário, o que não precisa ser dito.

 E eu amo que me toquem quando isso é simplesmente carinho. E eu tenho plena certeza de quem conseguir se aproximar disso que escrevo agora, poderá extrair muito mais dos meus desenhos e seus ruídos, fotos e seus noturnos, canção e seus silêncios... e aí eu ficaria ainda mais feliz se descobrir algo sobre si, ainda que apenas ao nível das estruturas.








Figura que Mário Röhnelt me enviou após ver minha fotografia

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