domingo, 10 de maio de 2015

Drops de Elis II: Miele

O caso é que o Ronaldo tinha decidido: vou tirar essa menina do show. Não importa se ela canta bem ou não. E pegou a lata de piche que estava ali ao acaso e borrou o nome da Elis Regina com brocha. "Pichar", desde então, no meio artístico e em todo lugar, virou sinônimo de falar mal das pessoas. Mais do que isso, ele substituiu Elis numa viagem para a Europa, patrocinada pela Rhodia, cheia de shows que dirigíamos. E fez pior: botou a Nara Leão no lugar dela. A Elis ficou uma fera, com toda razão, e aí deixou de falar com a gente. Eu, sem culpa no cartório, levei as sobras.

Ainda com esse mal estar, fomos convidados para uma noite de festa na casa de Nelsinho Motta, na rua Paissandu, onde havia um excelente piano de cauda. Sabe que essa rua, durante o Império, era calçada de madeira para que as carruagens transitassem por ali sem trepidação? Na festa tinha muita gente importante, ligada ou não à música. A certa altura, o Luizinho Eça vai para o piano e, de repente. Elis chega perto e começa a cantar Minha, de Francis Hime e Ruy Guerra. Virou um ritual religioso. Todo mundo sentou, pediu silêncio. Era uma voz, um momento de beleza único: Elis Regina e Luiz Carlos Eça. Eu estava numa outra sala com a Wanda Sá, contando uma história engraçada e ela deu aquela risada, acrescida da minha. Soou como sacrilégio naquele momento. Alguém gritou: Cala a boca, palhaço!

Elis acabou, foi muito aplaudida. O cara que tinha gritado, e que não sei quem é até hoje, é o responsável por minha carreira. Falou assim, de longe: É um otário mesmo, fica rindo aí, contando piada. Pare com isso. Por que não vem contar para todo mundo ouvir também? Vem logo aqui!. Respondi que ia e fui. Ficou todo mundo apavorado, pensando: O que é que a Elis vai pensar disso tudo no meio do seu show? Esse cara pirou de vez! Mas Elis, para a surpresa geral, principalmente minha, falou: Calma gente, vamos ver o que o Miele vai fazer. Engraçado é que eu não tinha nada para fazer, tampouco canções preparadas. Mas disse: Deixa comigo. Elis sentou-se no chão. Ao fazer isso me desculpou a ofensa, a falta de educação com ela. Todo mundo então relaxou. O Eça começou a fugir do piano, mas eu não deixei: faz aí um fundo concertista russo!

E montei uma história qualquer do russo que gostava da bailarina, que matou com uma flecha, colocado no arco do violino. Em vez do arco do violino, usou a flecha e acertou o pescoço do regente que era amante da bailarina. Elis gargalhava. Cantei uma canção russa de araque - inventei a história, plagiei a música. Bem, no dia seguinte, estávamos tentando achar um artista pra compor um show da cantora Tuca, no Rui Bar Bossa, e a meta era o Agildo Ribeiro, que se não me engano andava ocupado interpretando O auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. O estalo partiu do Ronaldo:
- Rapaz, não precisa procurar ninguém, faz você mesmo!
- Faz o quê?. 
- Faz uma besteira igual àquela que fez para a Elis. Vai lá e conta suas histórias do seu jeito.

Faltavam cinco dias para a estreia do show da Tuca. Recolhi mais ou menos as bobagens que iria dizer, ensaiamos uns três números musicais.
(...)

Trecho do livro Miele, Luiz Carlos Miele

Plus:
http://revistatrip.uol.com.br/171/especial/miele/01.htm

http://jcnavegador.blogspot.com.br/2009/03/elis-regina.html

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