domingo, 10 de maio de 2015

Drops de Elis V - O Brilho Gêmeo das Estrelas: Elis e Gal

Embora trilhando caminhos diferentes, cada vez mais as duas vão se aproximando. Uma gaúcha e outra baiana, dois temperamentos artísticos e pessoais quase opostos, e cada dias as duas deusas do canto perfeito se aproximam através de seus recentes trabalhos.

 Tanto gal como Elis andaram às voltas com profundos mergulhos pessoais em busca de uma (inatingível) perfeição técnica. Ajudadas pela vida e pelo instinto, rapidamente evouíram de uma preocupação formal com o canto para uma integração das emoções humanas, dos espantos, dos riscos e até das falhas em seus trabalhos - que com isso ficaram sensivelmente mais intensos e humanizados, já que não há nem nunca houve qualquer dúvida quanto aos raros dons vocais que abençoam as duas mulheres, entre as intérpretes brasileiras.

Não se pretende - e seria bobo e inúti - um confronto entre as duas. Procura-se hoje encontrar os cada vez maiores pontos de contato entre uma e outra, que até há algum tempo eram quase que representantes de tendências opostas dentro da música brasileira. À medida que Gal adquire cada vez maior intimidade e profundidade em suas incursões pelos caminhos de uma música brasileira de raízes populares, Elis vem desenvolvendo uma crescente aproximação com os novos ritmos brotados da idade do rock e em seus últimos LPs realiza notáveis performances no gênero, a ponto de sua interpretação de Velha Roupa Colorida, de Belchior, ser ouvida e lembrada como uma das melhores gravações (senão a melhor) de rock jamais feitas no Brasil.

 Tanto uma como outra, na condição de intérprete, lutam eternamente com o problema de "o que cantar", já que não possuem repertório próprio e precisam constantemente buscar ou encomendar aos compositores o que será o material para as gravações e shows. Como duas grandes e prestigiadas intérpretes, Gal e Elis acabaram por encontrar uma sólida estrutura de apoio em Milton Nascimento, Ivan Lins, João Bosco (Elis) e Caetano, Gil, Jorge Ben (Gal), sempre presentes nos discos das duas - como base e identidade.

 Tanto uma como outra vivem a permanente preocupação de revelar novos autores - o que vêm conseguindo frequentemente, se bem que nos trabalhos recém lançados nenhum compositor novo parece destinado a horizontes tão brilhantes quanto os atingidos por Luís Melodia (via Gal) ou Belchior e João Bosco (via Elis).

Uma de libra e outra de Peixes, Gal e Elis estão na mesma faixa de idade e - cada uma de seu lado - andaram vivendo nos últimos anos o mesmo tipo de problemas em relação virtuosismo vocal e a definição de repertório. Com "Falso Brilhante", Elis deu um dos mais belos e altos saltos de sua carreira, encerrando um ciclo de brilhante mas quase soturna busca da perfeição formal em detrimento da emoção espontânea. Com "Cantar", Gal viveu igualmente um dos momentos mais sombrios de sua carreira que vinha ponteada por momentos incandescentes com "Fa-tal" e "Índia". Em seguida, quase como uma mágica solução para seus problemas, surgiu o impecável e emocionante "Gal Canta Caymmi", que reintegrou-a nas suas profundas bases populares de canto e permitiu-lhe algumas crianções antológicas como "Só Louco", "São Salvador" ou "Festa no Mar"; emoção humana, belezas da espontaneidade, do gesto e do momento. Perfeita forma.

 Na raiz do canto de Elis, Ângela Maria. No de Gal, João Gilberto. Bahia e Porto Alegre. Uma imagem agressiva e uma aparência de timidez. Duas mulheres decididas e excepcionalmente rigorosas com elas mesmas. Duas intérpretes de timbres e estilos diversos, duas mulheres de posturas muito diferentes diante da música e da vida - com o passar do tempo e da experiência cada vez mais próximas, via talento e personalidade original. Pode-se facilmente imaginar um delicioso jogo que seria Gal cantando o repertório atual de Elis e vice-versa: com absoluta certeza idêntico brilhar: as duas hoje em dia se conduzem com igual desenvoltura pelos mais diversos gêneros e tendências, livre e maduramente.

 Essas duas grandes artistas, essas jovens e maduras artistas, são um exemplo vivo da atual riqueza da música brasileira, ao colocarem um raro virtuosismo vocal a serviço de repertórios muito distantes; lado a lado através da indiscutível qualidade de suas intérpretes.

 São apenas algumas observações superficiais sobre as duas, que merecem com certeza análises mais profundas, principalmente se colocadas lado a lado as duas carreiras e os atuais trabalhos - longe do confronto e próximas de uma busca de pontos comuns entre essas duas intérpretes definitivamente incomuns.

 E que sonho maior que ouvir, um dia, Gal e Elis cantando juntas!

 Música Humama Música, Nelson Motta, 1980









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